segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Evangélicos americanos e o controle chinês de natalidade

Artigo publicado hoje no jornal O Estado de S. Paulo:


Evangélicos dos EUA e a abstinência sexual na China


Autoridades apelam a grupo cristão para conter natalidade

Se tudo correr conforme planejado, até o fim deste ano uma garota em algum lugar da Província de Yunnan da China dirá a seu namorado que não pode fazer sexo com ele. E ele terá de agradecer a um programa de abstinência dos EUA. Neste ano, em escolas de Yunnan, professores estão sendo treinados num currículo de educação sexual criado pela organização cristã conservadora Focus on the Family. O acordo com a secretaria da Educação de Yunnan é um marco para a organização, que vem batalhando há quatro anos para fazer incursões sobre abstinência na China.

É o resultado também de uma estreita confluência de interesses: grupos cristãos evangélicos querem entrar na China. E autoridades chinesas, apesar do ateísmo oficial do país, querem ajuda para controlar o crescimento populacional e lidar com a rápida mudança de valores na sociedade chinesa. Ela experimentou grandes transformações nas últimas décadas, com um firme crescimento das taxas de divórcio e a migração e modernização exercendo uma crescente pressão sobre as famílias, segundo sociólogos. A Focus on the Family tentou vender seus programas orientados para casamento e família como soluções. Mas algumas autoridades do Partido Comunista manifestaram suspeitas sobre os motivos do grupo.

Numa primeira demonstração do currículo de abstinência há dois anos - aplicado à Liga da Juventude Comunista da China em Hangzhou - esperava-se que os adolescentes terminassem o seminário firmando um compromisso de virgindade, o marco do programa de abstinência do grupo cristão. Mas autoridades do governo inferiram, insistindo que os rapazes só deveriam ter compromissos com o Partido Comunista.

"Não tem sido fácil", disse Deanna Go, diretora de campo na China da organização com sede no Colorado. "Tudo é mais demorado aqui." Mas autoridades de Yunnan disseram que a mensagem de abstinência da Focus on the Family repercutiu entre os líderes conservadores da província.

"Atualmente, os adolescentes têm muitos canais diferentes para aprender sobre sexo", disse Ma Lianhong, ex-secretária geral de comunicações de Yunnan, que apresentou o grupo cristão aos líderes provinciais. "Mesmo que não se possa falar nisso, eles aprenderão sobre o assunto silenciosamente, o que é ainda mais perigoso. A abstinência é boa para manter as famílias sólidas e reduzir a taxa de divórcios. E ela vai ao encontro da moral tradicional da China."

Os programas de abstinência provocaram uma polêmica considerável nos EUA. Os críticos citam pesquisas que, segundo eles, demonstram que a abordagem é ineficaz, e argumentam que os esforços deviam ser orientados para educação sobre o sexo seguro. Mas os defensores dizem que a estratégia tem a capacidade de reduzir as taxas de natalidade fora do casamento e as doenças sexualmente transmissíveis.

Na última década, a Focus on the Family obteve um relativo sucesso com seu programa de abstinência em outros países - especialmente em nações majoritariamente muçulmanas, como Egito e Malásia, onde sua marca de abstinência cristã coincide com os ensinamentos do Islã. No mundo, o grupo diz que atingiu aproximadamente 3 milhões de adolescentes.

A China tem se mostrado um mercado difícil de entrar. O sexo pré-marital tornou-se comum em suas cidades desenvolvidas. Especialistas dizem que mesmo em áreas mais rurais os costumes sexuais estão mudando.

As companhias fabricantes de preservativos querem capturar uma parte lucrativa dos 1,3 bilhão que compõem a população chinesa. A ONU, organizações sem fins lucrativos que trabalham com a prevenção da aids e outros grupos estão despejando milhões em programas de sexo seguro. E a abstinência, dizem alguns, é a última coisa nas mentes dos adolescentes chineses.

"É difícil convencê-los a frequentar nosso treinamento", disse Qian Honglin, fundadora de uma organização sem fins lucrativos que trabalha com a Focus on the Family em Pequim. "Seus pais querem que eles venham, mas os jovens adultos não escutam as mães. Mas depois que eles entram é fácil perceberem os benefícios."

Antes do acordo de Yunnan, o programa era ensinado sobretudo em seminários ocasionais por organizações humanitárias associadas em quatro cidades importantes. A abordagem gradativa atingiu somente 9 mil alunos. O novo acordo de Yunnan promete uma exposição mais ampla. Apenas na semana passada, 512 professores da metade dos distritos escolares da província foram treinados para ensinar o currículo em seminários patrocinados pelo governo.

Como foi exatamente então que a Focus on the Family vendeu seu programa ao governo chinês? Como a maioria das coisas na China, foi preciso "ter as conexões certas". Em 2006, autoridades de Yunnan que tinham ouvido pelo rádio alguns comentários do fundador da Focus on the Family, James Dobson, procuraram se informar sobre a possibilidade de transmiti-los em sua estação. Isso levou líderes provinciais ao Colorado durante uma viagem aos EUA em 2007.

Para trabalhar na China, entretanto, a Focus on the Family teve de fazer o seu próprio compromisso: nada de material politicamente sensível, e nada de religião. O grupo evangélico diz que está cumprindo estritamente esses termos. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK


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