quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O curral eleitoral evangélico


Não há “espiritualidade” inventada que resista a uma eleição. Os recentes acontecimentos envolvendo o meio evangélico brasileiro - em meio ao bombardeio da campanha eleitoral - revelam a face descarada (com o perdão da tripla redundância) da ideologia barata que tomou o lugar da velha e boa teologia em muitas mentes e igrejas do país. 

E, de novo, surfando na crista da onda do oportunismo está ele - Silas Malafaia -, que escolhemos como exemplo clássico das alianças de ocasião que movem o “mundinho” evangélico brasileiro. 

Até anteontem, ainda que de maneira dissimulada (não tanto no final), apoiava a candidata do PV, Marina Silva. Entretanto, algo muito estranho ocorreu para que ontem Malafaia pulasse a cerca que protegia o aprisco de Marina, para atirar-se nos braços de José Serra, do PSDB. 

Talvez o gramado tucano seja mais verde ainda.

Os argumentos (frágeis, como papéis serrilhados) de Malafaia dizem respeito ao aborto e à descriminalização da maconha, para os quais Marina teria proposto um plebiscito. 

Ora, os planos de Marina são conhecidos há muito tempo, mas só anteontem Malafaia se deu conta disso e chamou a irmã de “pior que ímpio” e “dissimulada” por “ficar em cima do muro”, já que “o povo brasileiro não tem todas as informações necessárias para decidir esta questão de maneira isenta. Temos toda a mídia a favor dessa nojeira do aborto”. 

O problema de Malafaia é que, no Rio, ele apoia Marcelo Crivella para senador, o candidato de Edir Macedo e da igreja universal, que defendem abertamente o aborto. Logo, se Dunga fosse o técnico das eleições, ele certamente perguntaria ao Malafaia: “que coerência é esta, merrrrmão?”

Malafaia mal consegue disfarçar seu desejo mórbido e totalitário de impor ao país uma teocracia não cristã, mas “evangélica”, no pior sentido ideológico do termo. Ele omite – deliberadamente – que, ainda que fosse realizado um plebiscito sobre essas questões polêmicas, ele teria que ser determinada pelo Congresso, e não pelo poder executivo. Este, obviamente, tem um poder político enorme, mas não pode – por si só – impor qualquer lei ao país. Ainda que possa ser objetivamente questionada quanto às suas intenções, se tem alguém nessa história que não foi “dissimulada” foi Marina. O mesmo não se pode dizer do popstar das madrugadas evangélicas da TV brasileira.


A súbita conversão de Malafaia ao tucanato é só mais um episódio tragicômico da ópera bufa em que se transformou o evangelicalismo brasileiro, em sua ânsia por poder. 

Líderes e crentes se movem de um lado para o outro, desfilando seus preconceitos e arrotando suas mentiras, tentando influenciar seus rebanhos a votarem nos seus candidatos, nem que para isso necessitem elaborar rasas teorias estruturantes da suposta “espiritualidade” de suas convicções, não raras vezes apelando a conspirações imaginárias que estariam tentando impedir o crescimento do evangelho no país, quando o que, na verdade, já o teria matado (não fosse a misericórdia divina), é a desfaçatez e o mundanismo de muitos líderes evangélicos e suas alianças de ocasião. 

Nos raros momentos de lucidez, muitos deles atacam esta – lamentavelmente – vicejante mercantilização da igreja no país, mas quando precisam de parceiros para defenderem seus candidatos, não têm qualquer constrangimento em se aliarem ao capeta para elegê-los, nem que precisem recorrer às desculpas mais esfarrapadas para desviar os olhos do rebanho quanto à sua sem-vergonhice e aos seus fingidos interesses religiosos.

Infelizmente, a igreja evangélica brasileira se transformou num imenso curral eleitoral, onde o gado é tangido conforme os inconfessáveis interesses imediatos de cada “pastor”.

 Argumentos são “espiritualizados” ao gosto do freguês, mas não conseguem esconder os lobos que cercam as ovelhas no pasto, se bem que muitas dessas ovelhas parecem estar com as orelhas – estranhamente – muito crescidas para um ovino.

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