segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Países religiosos são mais pobres

A Folha de S. Paulo traz hoje mais uma dessas pesquisas que vai pra gaveta "Como mentir com estatísticas", que fica ao lado da gaveta "Colonizações fantasiosas", onde estão as pastas "Que bom se o Brasil tivesse sido colonizado pela Inglaterra" (esquecendo-se que podíamos ser agora uma grande Nigéria), e "Quem dera os holandeses não tivessem sido expulsos" (esquecendo-se que hoje podíamos ser outra Indonésia). Por outro lado, aguardamos ansiosamente o que os "apóstolos", "bispos" e "pastores" da teologia da prosperidade dirão a respeito. Na minha opinião, ao pretender justificar o universo com uma única variável, a pesquisa tem uma conclusão tão rasa que dispensa até maiores comentários. Limito-me a dizer que ela desconsidera aquelas que são, para mim, as maiores variáveis na formação da maioria dos países do mundo: a colonização imperialista e as guerras. Por muito pouco, por exemplo, os muçulmanos não dominaram toda a Europa (chegaram à Espanha pelo Oeste e aos Bálcãs pelo Leste) e o império mongol iniciado por Gengis Khan não derrubou as portas de Viena. Por este mero raciocínio histórico, poderíamos hoje ser todos muçulmanos ou mongóis. A contradição fica mais explícita quando se diz que "a pobreza facilita a expansão da religião", omitindo o antecedente fundamental: ¿o que é que gerou a pobreza? Certamente não foi a religião, já que o próprio texto admite a sua expansão como consequente.

Confira a matéria da Folha:

Quanto mais religioso, mais pobre tende a ser um país

Correlação é conclusão de pesquisa feita em 114 nações; EUA são exceção

Para líder ateu, religião rapta bens, dinheiro e mentes que deixam de ser empregados em atividades econômicas

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Quanto mais religiosos são os habitantes de um país, mais pobre ele tende a ser. Essa é a conclusão de uma pesquisa Gallup feita em 114 nações e divulgada no último dia 31 que mostra uma correlação forte entre o grau de religiosidade da população e a renda "per capita".

Correlação, vale lembrar, é um conceito traiçoeiro. Quando duas variáveis estão correlacionadas, tanto é possível que qualquer uma delas seja a causa da outra como também que ambas sejam efeitos de outros fatores.

Desde o século 19, a sociologia tem preferido apostar na tese de que a pobreza facilita a expansão da religião. "Em geral, as religiões ajudam seus adeptos a lidar com a pobreza, explicam e justificam sua posição social, oferecem esperança, satisfação emocional e soluções mágicas para enfrentar problemas imediatos do cotidiano", diz Ricardo Mariano, da PUC-RS.

"As religiões de salvação prometem ainda compensações para os sofrimentos e insuficiências desta vida no outro mundo", acrescenta.

O sociólogo, porém, lembra que há outros fatores: "A restrição à liberdade religiosa, ideologias secularistas e o ateísmo estatal dos países socialistas contribuíram para a baixa importância que sua população atribui à religião, como ocorre na Estônia, campeã nesta matéria, e na própria Rússia".

Já na Europa Ocidental, diz Mariano, "modernização, laicização do Estado e relativismo cultural erodiram bastante a religiosidade".

A grande exceção à regra são os EUA. Com uma das maiores rendas "per capita" do planeta, 65% dos norte-americanos atribuem importância à religião em sua vida diária. Tal índice é bem superior à média dos países mais ricos, que é de 47%.

Sem descartar um papel para as explicações sociológicas mais tradicionais, que chama de "fator ópio do povo", Daniel Sottomaior, presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) aventa algumas hipóteses na direção contrária, isto é, de que a religião é causa da pobreza. "Ela promove o fatalismo e o deus-dará", diz.

Em certos lugares, notadamente alguns países islâmicos, ela desestimula a educação e impede a adoção do pensamento científico.

Além disso, afirma Sottomaior, "a religião não apenas não gera valor como sequestra bens, dinheiro e mentes que deixam de ser empregados em atividades econômicas e de desenvolvimento".

RELIGIOSOS

Para religiosos ouvidos pela Folha, é a riqueza que pode reduzir o pendor das pessoas à religiosidade.

Segundo o padre jesuíta Eduardo Henriques, "a abertura a Deus é inversamente proporcional à segurança oferecida pela estabilidade econômico-financeira, com exceções, é claro. Espiritualmente falando, os pobres tornam-se sinais mais eloquentes de que ninguém, pobre ou rico, basta a si mesmo. Por isso Jesus chamou os pobres de bem-aventurados".

Já para o pastor batista Adriano Trajano, a pesquisa mostra que quanto maior for o estado de pobreza e pouco desenvolvimento econômico no país, "maior será a busca por subterfúgios sobrenaturais, pois a religião tem esse poder de transportar o necessitado a um mundo de cordas divinas". "Que a religião desempenha um papel importante nas sociedades, não há dúvida, resta saber até que ponto esse papel favorece a vida?", pergunta.

O teólogo adventista Marcos Noleto é mais radical: "Há uma incompatibilidade da fé prática com a riqueza. Assim como dois corpos não podem ocupar um mesmo lugar no espaço, na mente do homem não há lugar para duas afeições totais. Veja que Deus escolheu um carpinteiro e não um banqueiro para ser o pai de Jesus".

Um comentário:

  1. Acredito que o erro da pesquisa esteja na pouca importância aos fatores históricos envolvidos na comparação das nações mais ricas (e que era o mesma impressão dominante no século XIX, que afirmava que os países protestantes estavam destinados ao progresso, e os católicos ao atraso).

    Nenhum país atingiu a prosperidade em meio século. Todos eles passaram por séculos marcados por fatores encadeados como a determinação de um comércio justo, a criação de uma classe média e o avanço da escolaridade, o que no caso da Europa e da América teve um papel decisivo (e direto) das confissões cristãs.

    Por outro lado, tanto o secularismo quanto o ateísmo de estado "embarcaram" nesse processo recentemente, e sua pretensão de justificar a prosperidade dessas nações parece mais a atitude do passageiro que entra no ônibus e já quer se sentar na janela.

    Mas creio que essa seja uma percepção amparada em um profundo senso comum da época atual. Pesa muito a tendência de declínio da fé trazida pela situação de estabilidade financeira (ou, em outras palavras, pela possibilidade de se concretizar em vida, e não na descendência, os objetivos de ganho material).

    Isso deve durar mais algum tempo, pelo menos até que a Europa (que, como assinala Fareed Zakaria, tem uma economia que tem seu dinamismo freado pelas estruturas políticas, e virtualmente, é uma cultura que caminha para a auto-destruição), principal referência para nações seculares, seja ultrapassada pela Ásia oriental, onde convivem tradições religiosas mais fortes, superstições arraigadas e religiões laicas.

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