quinta-feira, 26 de julho de 2012

60 anos sem Evita



Evita Perón morreu no dia 26 de julho de 1952. Exatos 60 anos atrás, portanto, e a Argentina não conseguiu superar o impacto que sua curta vida pública teve sobre o país.

Os brasileiros não fazem ideia do que o peronismo (muito mais pela figura de Evita do que Perón) significa para os argentinos até hoje. É preciso conhecer a, digamos, Argentina profunda para começar a compreender o fenômeno.

Em 1999 fui visitar uma família amiga de Rosário, província de Santa Fé, e no passeio que fizemos pela região vimos um hospital que foi construído e inaugurado por Evita Perón.

Uma amiga então me disse que a família era até então muito grata a Evita porque foi das mãos dela que a sua avó recebeu o primeiro agasalho que teve na vida.

Tentei imaginar como era não ter agasalho naquele lugar em que fazia muito mais frio que em São Paulo, mas não consegui.

Compreendi, então, que a grande razão pela adoração popular a Evita era o fato dela ter rompido com o secular descaso da oligarquia argentina com o seu próprio povo. Pouco importava a maneira como ela fez isso.

Um país que estava entre os mais ricos do mundo no começo do século XX não havia sido capaz de destinar um pouco de sua riqueza para satisfazer o mínimo que fosse das necessidades mais básicas de sua população.

Em outra oportunidade, tive a oportunidade de conhecer o sul da província de Buenos Aires, na região de Chivilcoy, onde Evita nasceu, filha bastarda que era de um estancieiro local.

Desde a mais tenra infância, portanto, sentiu na pele como era impossível vencer a divisão das classes no país, o que a levou a ser tão dura com a elite argentina quando chegou ao poder ao lado do marido.

Popular, popularesca ou populista, o fato é que enquanto o peronismo se sedimentou como a melhor expressão da incapacidade argentina de superar o passado e seguir adiante, Evita, morta jovem de câncer, foi alçada à condição de mito universal. Tão jovem que, se viva ainda fosse, teria hoje 93 anos de idade. E já faz tanto tempo...

Muito se escreveu e se mostrou sobre ela, como o excelente livro "Santa Evita", de Tomás Eloy Martínez, que conta as incríveis e macabras peripécias que foram feitas com o cadáver dela, numa bizarra incursão na estranha necrofilia que parece continuar impregnando boa parte do país.

Famoso ficou também o musical Evita (depois filme com Madonna no papel principal), de Andrew Lloyd Weber, com músicas geniais e letras das mais brilhantes e - ao mesmo tempo - preconceituosas e maldosas da história do gênero, curiosamente assumindo o discurso da elite argentina de 1950 e depreciando Evita ao máximo.

Isto, entretanto, só realça o seu caráter de personagem emblemático da história argentina, e - por extensão - latinoamericana. Os brasileiros, por exemplo, conseguem lidar melhor com a morte e o mito, mas nunca estão imunes ao populismo ou à manipulação da ideologia dominante.

Queiram ou não, Evita continuará sendo idolatrada na Argentina. Faço votos, entretanto, que os argentinos consigam se desprender do passado sem renegá-lo e seguir adiante, já que - ao contrário da ideia que alguns órgãos da imprensa querem passar - trata-se de um lindo país com um povo maravilhoso.

Quem tem o prazer de ter amigos argentinos como eu tenho, sabe que eles - além de naturalmente melancólicos e determinados, são fiéis, verdadeiros, e nunca deixam a amizade arrefecer. Sempre digo que amigos argentinos são realmente para sempre. Pelo jeito, Evita também.

Abaixo, o áudio de seu último discurso:





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