quarta-feira, 25 de julho de 2012

Centro de São Paulo perde Dedé

Quem frequenta (ou frequentou) o centro de São Paulo está acostumado com os personagens (digamos) exóticos e divertidos que povoam as ruas e os passeios estreitos como corajosos raios de luz que insistem em romper aquele desamparo cruel e sombrio que a capital paulista reserva aos seus moradores e visitantes.

Uma das mais queridas e esfuziantes personagens desse pequeno mundo mambembe incrustado no coração da cidade era Dedé, esta joia rara, uma figura festiva, humilde, esquálida e afeminada que vivia com um microfone na mão desde os anos 1980, cantando a cappella seus desvarios, surpreendendo a todos com suas irrequietas corridinhas desengonçadas, sempre alegrando as manifestações e as multidões (quando ainda existiam) com seus jazzísticos trinados estridentes.

Chegou a participar de vários programas populares na TV, muitas vezes sendo vergonhosa e injustamente ridicularizado pelo seu jeito inusitado de se expressar.

Como cantor de rua, Dedé fez mais feliz (ou menos triste) o cotidiano de milhares - talvez milhões - de pessoas ao longo das últimas décadas, fazendo questão de "roubar" um sorriso que fosse dos mais incautos transeuntes. 

Era impossível ficar alheio a ele quando — no meio do caminho cáustico das manhãs agoniadas, das tardes apressadas e dos sonhos despedaçados — de repente surgia das cinzas e do concreto, mesmo debaixo da garoa, o seu show tão irreverente e peculiar.

Fico sabendo agora - pela Rede Brasil Atual - que Dedé Passos partiu sem avisar para uma turnê nas estrelas no último dia 14 de junho. 

Testemunha que foi de muitos bancos, lojas e empresas que vicejaram e faliram, o centro de São Paulo, onde circulo raramente hoje em dia, ficou verdadeiramente mais pobre e melancólico ao perder este brilhante ícone popular.

Muitos universos que transitavam por lá se foram juntos com o cintilante Dedé, e estão sendo continuamente substituídos por outros talvez mais duros do que o palco iluminado em que ele viveu e conviveu, compartilhando com todos a sua arte imortal e o seu jeito livre e feliz de ser, simplesmente ser.

Enquanto o vácuo não absorve definitivamente o que restou do centro antigo de São Paulo, aqueles calçadões de pedras portuguesas desajeitadas vertem seu pranto porque nunca mais serão acariciados com a leveza de Dedé saltitando com a delicadeza de uma pluma por aquele chão tão castigado pelas vidas secas que por ali perambulam lacrimejantes sem notar que — sim! — algo belo e singelo como Dedé já foi escalado pelos céus para presentear e encantar aquele lugar.

Dedé passa a integrar a memória afetiva de todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecer o seu esplendor. Fecham-se as cortinas mas o seu espetáculo colorido seguirá ecoando por aqueles opressivos paredões.

Menos mal que se possa recordá-lo através dos muitos vídeos do Dedé no YouTube. 

Em homenagem ao reluzente astro, seguem os três vídeos abaixo em que ele canta canções com letras muito apropriadas para reviver seus inesquecíveis momentos de glória e mostrar às novas e futuras gerações a grandeza radiante de Dedé. 

O primeiro, onde ele interpreta "Mosca na Sopa" do Raul Seixas, dando o seu toque peculiar; o segundo, desafiando Elis Regina ao cantar "Como Nossos Pais" de Belchior; e o terceiro interpretando "O Bêbado e a Equilibrista", de João Bosco, com destaque para a estrofe final:

A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...











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