segunda-feira, 23 de julho de 2012

Videla diz que cúpula católica da Argentina sabia dos crimes da ditadura

Numa entrevista bombástica à revista El Sur, de Córdoba, repercutida pelo Clarín na edição de ontem, 22 de julho de 2012, o ex-ditador Jorge Rafael Videla, líder do golpe militar que instalou a ditadura na Argentina entre 1976 e 1983, diz que a cúpula da Igreja Católica no país não só sabia, como colaborou no processo de tortura e execução sumária que deixou mais de 30.000 desaparecidos.

Segundo Videla, já condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade, líderes católicos argentinos foram comunicados sobre o assassinato dos desaparecidos - que diz ser algo "lamentável" -, e em troca alguns bispos "nos assessoraram sobre a forma de administrar a situação".

Prossegue dizendo que "em alguns casos a Igreja ofereceu seus bons serviços e quanto aos familiares que se tinha a certeza que não fariam um uso político da informação, se lhes disseram que não os procurassem mais a seu filho porque estava morto".

O ex-ditador argentino citou nominalmente como seus contatos na cúpula da Igreja Católica o ex-cardeal primaz do país Raúl Primatesta (falecido em 2006) e o núncio apostólico (embaixador do Vaticano) Pio Laghi (morto em 2009):
Na minha vida falei com muitas pessoas. Com Primatesta, muitas vezes. Com a Conferência Episcopal Argentina, não com todos, mas com alguns bispos. Com eles tivemos muitas conversas. Com o núncio apostólico Pio Laghi.
De acordo com Jorge Rafael Videla, os bispos "compreendiam" as circunstâncias que lhes eram apresentadas, e "a Igreja compreendeu bem a situação e também assumiu os riscos" - em alguns casos - de informar as famílias sobre os assassinatos de seus entes queridos.

O cardeal italiano Pio Laghi, núncio apostólico na Argentina entre 1974 e 1980, chegou a ser denunciado pela organização das "Mães da Plaza de Mayo" (las "madres"), mas um processo ajuizado contra ele em 1997 na Itália não prosperou.

Já Primatesta foi acusado por outros bispos argentinos, como o finado Justo Laguna, de ter "incorrido em silêncio e falta de reação" diante dos crimes da ditadura, sobretudo no assassinato - cometido em 1976 - do padre Enrigue Angelelli, que havia sido seu auxiliar.

A entrevista de Videla foi dada à revista El Sur em outubro de 2010, com o compromisso de que somente fosse publicada depois de sua morte, mas como o ex-ditador vem dando declarações polêmicas nos últimos meses - naquilo que El Sur chama de "verborragia súbita" -, a revista se sentiu dispensada de manter o acordo.

Com isso, ganha a História, enquanto todos nós perdemos (mais) um pouco do que (talvez) ainda tenha restado de nossa fé na humanidade.

Por outro lado, fica claro e cristalino o perigo que representa uma confissão religiosa (qualquer que seja) que se coloque na sombra íntima (ou controladora) do poder (democraticamente instituído ou não).

E é sempre bom lembrar dessa nociva promiscuidade às vésperas das eleições. Quaisquer eleições...



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