Apesar de todo a mágoa antirreligiosa, acompanhada do tradicional chororô cheio de não-me-reles e não-me-toques, continua de vento em popa a campanha ateísta para se converter no mesmo "misticismo" que tanto combate, iniciativa cada vez menos disfarçada, como já tivemos oportunidade de registrar aqui, especialmente no artigo "Seria o neoateísmo uma nova religião?"
Depois de Alain de Botton propor a construção de templos ateus, agora é a vez de outro expoente do mundinho ateísta, Sam Harris, propor em seu blog o resgate da palavra "espiritual" para o movimento (dele).
No artigo "In Defense of 'Spiritual'" ("Em Defesa do 'Espiritual'"), o militante Harris diz que - no seu próximo livro - terá que enfrentar a animosidade de muitas pessoas quanto à palavra "espiritual" para, segundo diz, resgatá-la com o propósito de "pegar as boas palavras e colocá-las em bom uso".
Só por essa frase, é dispensável maiores digressões para constatar o pedantismo e a arrogância deste tipo de militante que se julga iluminado e o único autorizado a interpretar uma só palavra, para resgatá-la do "mau uso" que outros bichos-papões estariam fazendo dela.
No centro da questão levantada por Sam Harris está o mesmo problema apontado por Alain de Botton: os ateus não conseguem lidar com a beleza estética do mundo em que caíram de paraquedas. No fundo, trata-se apenas de uma amargurada forma cosmética de "neopaganismo".
Na impossibilidade existencial de explicar a extraordinária beleza que constatam no mundo mediante a transcendência do seu hipertrofiado ego, não lhes outra resta alternativa senão choramingar a sua empáfia e invadir a seara alheia (aquela dos seus "inimigos espirituais") para sequestrar ali palavras, termos e conceitos, e depois "higienizá-los" e adaptá-los aos seus delírios narcisistas (ainda que os chamem de "prazeres estéticos").
Talvez estejam - inadvertidamente - cumprindo a velha máxima: "na impossibilidade de vencer os seus inimigos, junte-se a eles"...