Entrevista com o médico ginecologista Roberto Cardoso, pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), publicado na Folha de S. Paulo de ontem:
Receita de meditação
Qualquer um pode provar os benefícios da técnica, sem discurso religioso nem pretensão de atingir o nirvana
IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Para meditar não é preciso seguir uma religião ou filosofia exótica. Nem relaxar e ficar "no vazio".
O ginecologista Roberto Cardoso, autor de "Medicina e Meditação" (Editora MG), acredita que essas concepções são os obstáculos para quem quer aproveitar os benefícios da prática.
Pesquisador e meditador praticante, Cardoso afirma que os seus efeitos não são milagre, mas frutos do treino. Segundo ele, a melhor forma de alcançar resultados é não se preocupar com eles.
O médico, que faz parte dos grupos de estudos em meditação da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), recebeu a Folha em seu consultório particular de ginecologia, em São Paulo. Leia a seguir trechos da sua entrevista.
Folha - É possível definir a meditação fora de um contexto religioso ou filosófico?
Roberto Cardoso - Podemos definir critérios para a prática. Foi o que nosso grupo de estudos fez. Criamos uma definição operacional que é hoje adotada em todas as pesquisas médicas.
O que significa uma definição operacional?
É o "como fazer". Você pode dizer o que é um bolo de chocolate sem explicar como fazê-lo. A definição operacional é dizer: "bata tantos ovos, misture a farinha, coloque em uma forma, leve ao forno por 15 minutos".
Qual é a receita para meditar?
É preciso ter uma técnica específica ensinada por um instrutor. Essa técnica é autoaplicada, tem que ter uma "âncora" e produzir o relaxamento da lógica. Esses dois últimos itens são fundamentais para caracterizar uma técnica como meditativa.
E são os mais difíceis de entender. O que é a âncora?
É um foco para o qual você dirige sua atenção: a própria respiração, um som ou palavra que se repete, o movimento de vai e vem do abdome, uma imagem fixa.
Toda a atividade mental é levada para esse ponto mínimo. Mas não é feito um esforço para não sair dele. Ao contrário, a pratica é voltar a esse foco sempre que a mente produzir uma sequência de pensamentos. Esse ir e vir é a meditação.
E o relaxamento da lógica?
É não se envolver no fluxo incessante de pensamentos.
Como conseguir isso?
A atenção simplesmente volta para a âncora, e a pessoa não tenta analisar, julgar ou ter expectativas, nem mesmo sobre os efeitos que a meditação vai trazer.
Mas é difícil se envolver em uma prática sem esperar obter seus efeitos.
A expectativa é um exercício da lógica, que atrapalha. Mas tem gente que não consegue trabalhar sem objetivos. Então, você traça um objetivo "concreto": meditar todo dia por 15 minutos durante dois meses.
E os efeitos vão acontecer?
Com a prática, você ocupa o córtex pré-frontal [área do cérebro ligada ao raciocínio lógico] com a âncora. É preciso um esforço muito grande para fazer isso, o que desregula e "desliga" o córtex.
E é isso que leva a uma série de sensações diferentes, como a de transcender os limites do corpo, já que as áreas responsáveis por processar informações sensoriais e dar orientação espacial diminuem sua atividade.
Qual a maior dificuldade do meditador iniciante?
Confundir a técnica com o efeito. Se você fala para pessoa: "sente lá, relaxe e se sinta no vazio", você está falando dos efeitos. É como dizer: "sente-se no aparelho de musculação e hipertrofie seus músculos", quando o que ela tem que fazer é repetir alguns movimentos usando uma carga determinada.
Que outros obstáculos ela vai encontrar?
Achar que, para praticar, obrigatoriamente terá que adotar uma religião ou uma filosofia específica. Vencer a preguiça de treinar e enfrentar o preconceito.
Ainda há preconceito contra a meditação?
As pessoas hoje falam muito das descobertas científicas sobre os efeitos da meditação. Mas se você for falar das experiências vivenciadas, quem não conhece vai achar que é conversa de louco. E ainda há muita gente que acredita que, se você medita, é porque entrou para uma seita ou religião exótica.
O ginecologista Roberto Cardoso, autor de "Medicina e Meditação" (Editora MG), acredita que essas concepções são os obstáculos para quem quer aproveitar os benefícios da prática.
Pesquisador e meditador praticante, Cardoso afirma que os seus efeitos não são milagre, mas frutos do treino. Segundo ele, a melhor forma de alcançar resultados é não se preocupar com eles.
O médico, que faz parte dos grupos de estudos em meditação da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), recebeu a Folha em seu consultório particular de ginecologia, em São Paulo. Leia a seguir trechos da sua entrevista.
Folha - É possível definir a meditação fora de um contexto religioso ou filosófico?
Roberto Cardoso - Podemos definir critérios para a prática. Foi o que nosso grupo de estudos fez. Criamos uma definição operacional que é hoje adotada em todas as pesquisas médicas.
O que significa uma definição operacional?
É o "como fazer". Você pode dizer o que é um bolo de chocolate sem explicar como fazê-lo. A definição operacional é dizer: "bata tantos ovos, misture a farinha, coloque em uma forma, leve ao forno por 15 minutos".
Qual é a receita para meditar?
É preciso ter uma técnica específica ensinada por um instrutor. Essa técnica é autoaplicada, tem que ter uma "âncora" e produzir o relaxamento da lógica. Esses dois últimos itens são fundamentais para caracterizar uma técnica como meditativa.
E são os mais difíceis de entender. O que é a âncora?
É um foco para o qual você dirige sua atenção: a própria respiração, um som ou palavra que se repete, o movimento de vai e vem do abdome, uma imagem fixa.
Toda a atividade mental é levada para esse ponto mínimo. Mas não é feito um esforço para não sair dele. Ao contrário, a pratica é voltar a esse foco sempre que a mente produzir uma sequência de pensamentos. Esse ir e vir é a meditação.
E o relaxamento da lógica?
É não se envolver no fluxo incessante de pensamentos.
Como conseguir isso?
A atenção simplesmente volta para a âncora, e a pessoa não tenta analisar, julgar ou ter expectativas, nem mesmo sobre os efeitos que a meditação vai trazer.
Mas é difícil se envolver em uma prática sem esperar obter seus efeitos.
A expectativa é um exercício da lógica, que atrapalha. Mas tem gente que não consegue trabalhar sem objetivos. Então, você traça um objetivo "concreto": meditar todo dia por 15 minutos durante dois meses.
E os efeitos vão acontecer?
Com a prática, você ocupa o córtex pré-frontal [área do cérebro ligada ao raciocínio lógico] com a âncora. É preciso um esforço muito grande para fazer isso, o que desregula e "desliga" o córtex.
E é isso que leva a uma série de sensações diferentes, como a de transcender os limites do corpo, já que as áreas responsáveis por processar informações sensoriais e dar orientação espacial diminuem sua atividade.
Qual a maior dificuldade do meditador iniciante?
Confundir a técnica com o efeito. Se você fala para pessoa: "sente lá, relaxe e se sinta no vazio", você está falando dos efeitos. É como dizer: "sente-se no aparelho de musculação e hipertrofie seus músculos", quando o que ela tem que fazer é repetir alguns movimentos usando uma carga determinada.
Que outros obstáculos ela vai encontrar?
Achar que, para praticar, obrigatoriamente terá que adotar uma religião ou uma filosofia específica. Vencer a preguiça de treinar e enfrentar o preconceito.
Ainda há preconceito contra a meditação?
As pessoas hoje falam muito das descobertas científicas sobre os efeitos da meditação. Mas se você for falar das experiências vivenciadas, quem não conhece vai achar que é conversa de louco. E ainda há muita gente que acredita que, se você medita, é porque entrou para uma seita ou religião exótica.