segunda-feira, 25 de abril de 2011

Do Jesus hippie a Justin Bieber

Em artigo intitulado "Jesus Christ Rock Star", publicado em 23/04/11 no The New York Times, David W. Stowe traça um panorama da música pop norteamericana e de como o gênero religioso se (des)encaixa nele. 

Começa o artigo pelo fenômeno atual da música pop, Justin Bieber, qualificando-o como o artista cristão mais conhecido no mundo hoje, já que ele publicamente reconhece que cresceu numa igreja evangélica, ora várias vezes ao dia, acredita em anjos e se opõe ao aborto. 

O cantor teen canadense esteve, inclusive, em Israel este mês, onde se indispôs com os paparazzi e disse que eles estavam atrapalhando os seus planos de "caminhar por onde Jesus caminhou". 

Em seguida, constata que não se ouve Justin Bieber falar ou cantar assuntos relacionados à fé com frequência, e este é um sinal de como estão separados os temas religiosos e seculares no contexto da música pop norteamericana. 

Estranha, ainda, que isto se dê com a música gospel, que é um raro caso de sucesso no mercado fonográfico mundial, mas mesmo assim continua segregada do mainstream da mídia, sendo reduzida a um determinado gueto que a aprecia.

David W. Stowe é professor de Inglês e Estudos Religiosos na Michigan State University, e autor do livro “No Sympathy for the Devil: Christian Pop Music and the Transformation of American Evangelicalism” ("Sem Compaixão com o Diabo: Música Pop Cristã e a Transformação do Evangelicalismo Americano"). 

Na sequência do artigo em questão, ele comenta que nem sempre houve este apartheid entre música secular e sua correspondente religiosa, que conseguia romper essa barreira no final dos anos 60 e começo dos 70. 

Acredita Stowe que a segregação posterior tenha se dado pelo aumento em quantidade e qualidade de jovens trabalhando com música dentro das igrejas, o que a tornou uma espécie de "zona proibida" para músicos seculares. 

Nos anos 60, temas religiosos eram relativamente comuns na música pop, como "A Hard Rain’s A-Gonna Fall" de Bob Dylan (1963), além da inspiração apocalíptica surpreendente de "Eve of Destruction" de Barry McGuire (1965 - vídeo abaixo). 

Ambos os artistas experimentariam conversões religiosas em 1971 (McGuire) e 1978 (Bob Dylan), que deixaram marcas profundas em seus trabalhos. No fim da década de 70 foram lançadas canções ainda mais explícitas, como "Jesus" do Velvet Underground, "Jesus is Just Alright" dos The Byrds, "Fire and Rain" de James Taylor, "Spirit in the Sky" de Norman Greenbaum e a regravação por Simon & Garfunkel de "Oh Happy Day" de Edwin Hawkins Singers.

Stowe lembra ainda que muitos jovens da geração hippie de Woodstock (1969) se converteram nos anos seguintes, muito provavelmente porque a contracultura que a geração Paz e Amor promovia tinha em Jesus Cristo uma figura libertadora das convenções sociais de então. 

Os primeiros hippies cristãos se fixaram no Sul da Califórnia, mais especificamente na (hoje exclusiva) região de Orange County, e aos poucos foram se espalhando por todos os Estados Unidos. 

Curiosamente, a representação de Jesus como um jovem revolucionário nos seus 30 anos, de barba e cabelos compridos, servia de chamariz para milhares de pessoas que viam nEle um igual, pelo menos para começo de conversa. 

Exatamente 40 anos atrás, por exemplo, em maio de 1971, estreava na Broadway o musical Godspell, que havia sido escrito como uma dissertação de Mestrado, e em outubro daquele ano Jesus Christ Superstar, que havia sido lançado como álbum duplo em 1970, começava também pela Broadway a percorrer sua trilha de sucesso como musical. 

Na mesma época estourava nas paradas o clássico álbum de Marvin Gaye, "What's Going On", com muitas referências à espiritualidade e ao próprio Jesus.

Até hoje nós conseguimos ver os resultados deste movimento que se espalhou por todo o mundo. 

Trazendo a observação para o Brasil, basta reconhecer a importância que o louvor tem nos nossos cultos, chegando também às missas católicas. 

Aqueles que estão nessa estrada há mais tempo, lembram-se bem da importância que tiveram grupos de jovens evangélicos que faziam música de qualidade, como Vencedores Por Cristo, Elo (depois Logos), entre outros, que iniciaram com enorme competência um movimento de atualização e substituição dos antigos hinos tradicionais, inclusive com a introdução de instrumentos elétricos e de percussão. 

No paralelo que traçamos com o Brasil, pelo menos até agora não houve a tendência que David W. Stowe identifica nos Estados Unidos, com o caminho de volta que os egressos do movimento libertário hippie fizeram ao conservadorismo, alinhando-se cada vez mais com a direita norteamericana, representada pelo Partido Republicano, em especial durante a administração de Ronald Reagan (1981-1989). 

Isto terminou, também, afastando os músicos seculares da seara religiosa, já que não queriam ser associados a conservadores, visto que seu público tendia a ser mais simpático ao Partido Democrata. Finalizando seu artigo, Stowe cita o novo lançamento de Lady GaGa, "Judas", como uma viagem ao passado das letras religiosas, ainda que de maneira deturpada, como nos versos abaixo:
I'll wash his feet with my hair if he needs
Forgive him when his tongue lies through his brain
Even after three times, he betrays me


Lavarei seus pés com meu cabelos, se preciso
Perdoarei quando sua língua mentir por causa de seu cérebro
Mesmo depois de três vezes, ele me trai

É uma boa análise, portanto, sujeita a críticas, obviamente, mas fica a dica para que se faça no Brasil um trabalho com a mesma profundidade, pesquisa que faz falta por aqui e, talvez, alguém queira se dedicar ao tema.


LinkWithin

Related Posts with Thumbnails