sexta-feira, 29 de abril de 2011

Mitos sobre religião e Estado



Artigo publicado no Estadão do dia 27/04/11


Mitos sobre religião e Estado


A 1ª Emenda dos EUA garante a separação entre ambos, mas no início ela não evitou que Estados financiassem igrejas

David Sehat, The Washington Post - O Estado de S.Paulo

Os liberais afirmam que os pais fundadores dos EUA separaram Igreja e Estado, enquanto os conservadores defendem que os fundadores fizeram da fé um alicerce do governo americano. Ambos os lados dizem que houve nos EUA uma época de liberdade de culto que eles buscam preservar. Mas nenhum dos lados apresenta uma interpretação correta. Vamos pôr fim a certas ideias equivocadas a respeito da religião e da política nos EUA.


1. A Constituição sempre protegeu a liberdade religiosa Muitos americanos creem que a separação entre igreja e Estado definida na 1.ª Emenda garante a liberdade religiosa. Mas, quando foi ratificada em 1791, a 1.ª Emenda não se aplicava aos Estados, coisa que só passaria a ocorrer bem depois do início do século 20. Como resultado, a 1.ª Emenda não evitou que Estados financiassem igrejas com o tesouro público. Como muitos pensavam que a religião seria o principal alicerce da sociedade americana, usaram o próprio poder para imprimir seus ideais de moralidade às Constituições estaduais e às opiniões judiciais durante boa parte da história americana.

2. A religiosidade dos fundadores é uma característica determinante. Os cristãos que enxergam os pais fundadores como santos encontrarão dificuldades para sustentar a crença. Thomas Jefferson escreveu uma versão do Novo Testamento removendo as referências à divindade de Jesus. Benjamin Franklin era um deísta. Mas, fossem quais fossem as crenças religiosas dos fundadores, a 1.ª Emenda simplesmente preservava o status quo da relação entre igreja e Estado. Nunca houve uma religião oficial nas 13 colônias, e os novos Estados favoreciam religiões diferentes. Assim, os autores da Constituição delegaram aos Estados a questão da religião.

3. Os cristãos conservadores só passaram a dominar a política recentemente. Os partidários cristãos mobilizaram-se logo no início da história americana, buscando impor ao novo país uma ordem moral - mas ainda cristã e, mais especificamente, protestante. No início, os cristãos foram mais bem sucedidos no exercício do controle político e legal no nível do Estado. Mas, com o tempo, os fiéis encontraram um público federal para a reforma moral sintetizada na aprovação da 18.ª Emenda em 1919, um experimento de proibição de alcance nacional. Essas campanhas morais anteciparam muitas das disputas políticas envolvendo a religião que emergiram como o debate sobre o casamento gay.

4. Os EUA são hoje mais seculares do que antes. A Revolução Americana foi, na verdade, um ponto baixo na prática religiosa dos americanos. Os sociólogos mostraram que não mais do que 20% da população do país pertencia a alguma igreja em 1776. Então, sob a influência da expansão evangélica durante o Segundo Grande Despertar, no início do século 19, a proporção da população que frequentava a igreja cresceu rapidamente, até que, perto de 1850, observou-se que mais de um terço dos americanos fazia parte de alguma igreja. Em 1890, após outro período de evangelização protestante e imigração católica da Irlanda, da Itália e de outros países, esta proporção chegou a 45%.

5. Os liberais são contrários à religião. No caso Emerson vs. Secretaria de Educação, de 1947, a Suprema Corte exigiu uma separação mais clara entre Igreja e Estado. Isso levou os conservadores religiosos a acusar o Supremo - assim como os liberais - de agir... bem, contra a religião. Os liberais da Suprema Corte tentaram de desfazer desta herança de discriminação oficial, mas não tentaram de desfazer da religião. /
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

DAVID SEHAT É PROFESSOR ASSISTENTE DE HISTÓRIA NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA GEÓRGIA




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