Matéria publicada no jornal Valor Econômico de 22/08/11:
“A arquitetura ainda me convoca com toda a força”, diz Oscar Niemeyer
Por Bruno Yutaka Saito
SÃO PAULO – Segundo relatos da história, Napoleão teria
dito que, dentro da imponente catedral de Chartres, um dos principais
exemplos da arquitetura medieval, até os ateus se sentiam
desconfortáveis. Nascido em 15 de dezembro de 1907, Oscar Niemeyer não teve a chance de contradizer pessoalmente o imperador francês (1769-1821) sobre a atmosfera proporcionada por uma igreja.
Para este arquiteto ateu “desde muito cedo”, igrejas nunca o fizeram
cogitar a possibilidade de existência de Deus. Suas convicções, no
entanto, não o impedem de projetar várias construções ligadas ao
sagrado.
O livro "As Igrejas de Oscar Niemeyer",
que será lançado amanhã (dia 23), reúne imagens e desenhos dessas 16
obras (executadas de fato ou não), como a Catedral de Brasília, o templo
da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Paricatuba, PA) e a famosa Igreja
da Pampulha (Belo Horizonte, MG).
Inaugurada em 1943, a construção em Minas Gerais causou certo
desconforto local à época devido, entre outros fatores, às suas formas
inovadoras. Em Pampulha, Niemeyer mostrou as diretrizes de seu trabalho
posterior. Forma e estrutura são um elemento apenas, em que o concreto
revela-se plasticamente flexível, resultando em uma construção ousada e
sinuosa para a época. Durante anos os cultos foram proibidos na Igreja
da Pampulha.
Aos 103 anos, Niemeyer é uma das principais referências de Brasil
para o mundo, admirado não apenas por arquitetos e não apenas pela
idade. Este carioca é de uma época anterior a iPhone, internet e
televisão, de um tempo em que o homem ainda não tinha chegado à Lua e
que duas guerras mundiais encontraram espaço para explodir. Viu as
turbulências do Brasil, Getulio Vargas, Juscelino Kubitschek, ditaduras e
Fernando Collor, mas continuou firme na sua crença no PT.
“Vivemos um momento importante. Não posso avaliar se este seria o
mais promissor de nossa história... Tenho a certeza de que houve avanços
sociais relevantes graças ao empenho do presidente Lula”, afirma
Niemeyer.
Se levarmos em conta o benefício da aposentadoria por idade, aos 65
anos para os homens, faz 38 anos que Niemeyer trabalha a mais, já que
descarta a possibilidade de parar. As ideias e os pensamentos seguem
contínuos, como mostra nesta entrevista exclusiva ao Valor.
Valor: Nunca cogitou a possibilidade de acreditar em Deus?
Oscar Niemeyer: Eu defini essa minha posição em
relação à religião desde muito cedo, apesar das minhas origens
familiares católicas. Na introdução que escrevi para o livro “As Igrejas
de Oscar Niemeyer”, procurei lembrar que na casa dos meus avós maternos
em Laranjeiras minha avó organizava missas todos os domingos, a que
muita gente assistia. Eram pessoas de muito boa índole, solidárias e
generosas, acima de tudo tementes a Deus.
Valor: Qual a diferença entre projetar uma
igreja e outros tipos de construções? O fato de a igreja ser um lugar
sagrado para seus frequentadores interfere no modo como o sr. idealiza o
projeto?
Niemeyer: Sempre apreciei esse tema, procurando
responder, com a minha fantasia de arquiteto, a tal identificação que
muitos fazem desses templos religiosos como lugares do sagrado. Isso
tudo sem que eu tenha alguma crença dessa ordem.
Valor: A sua fé no comunismo nunca se abalou? O
sr. acredita que os modelos de esquerda vigentes na Venezuela, em Cuba e
na China são eficazes?
Niemeyer: Continuo a defender a mensagem básica que é
possível reconhecer nos escritos de Marx – a sua confiança no advento
de uma sociedade mais justa e mais fraterna. Aprecio muito a coragem
política e a capacidade de resistência ao imperialismo dos EUA de
líderes como Fidel – em primeiro lugar – e Chávez... Não sou cientista
político; portanto, não posso avaliar “tecnicamente” o grau de eficácia
do modelo político adotado na Venezuela e na China.
Valor: O sr. está gostando do governo de Dilma Rousseff ou preferia o governo do Lula? Por quê?
Niemeyer: Estou gostando bastante do governo da
presidente Dilma. Acho prematuro fazermos comparações entre este e a
gestão de Lula – um líder inconteste do povo brasileiro a quem admiro
profundamente.
Valor: Os casos de corrupção que acontecem atualmente e aconteceram no governo abalaram a sua confiança no PT?
Niemeyer: Atenção, há outros partidos ou integrantes
de partidos diversos do PT envolvidos em esquemas de corrupção que vêm
sendo desmascarados...
Valor: O Brasil está preparado para receber uma Copa do Mundo e uma Olimpíada?
Niemeyer: Acho que sim. É bem verdade que caberá a
nossos dirigentes políticos assegurar as condições de realização dos
grandes eventos desportivos a terem lugar.
Valor: O sr. pensa em aposentadoria? O que o motiva a continuar trabalhando?
Niemeyer: Que é isso? A arquitetura ainda me
convoca, com toda a força, e permanece este meu entusiasmo em
prosseguir, realizando esta arquitetura diferente, tão pessoal, que
tenho defendido desde o projeto da igrejinha de São Francisco de Assis
na Pampulha. Projeto que, aliás, se encontra bem destacado no meu novo
livro sobre as igrejas.
Valor: Como o sr. avalia o governo Barack Obama? Acredita que a atual crise econômica nos EUA indica a falência de um modelo?
Niemeyer: Os Estados Unidos enfrentam nova crise –
recorrente – que tem marcado a história do capitalismo. É evidente que
todo o quadro presente me preocupa... até porque o aprofundamento de tal
crise deverá afetar os países emergentes, a exemplo do Brasil.
Valor: Como o ideal comunista do sr. se traduz nos seus projetos?
Niemeyer: Considero que não existe essa conexão de
que vocês falam. Mas é evidente que os meus projetos têm por objetivo
garantir a todos que visitam as minhas obras – independentemente de sua
classe ou status social – um momento de surpresa, que é possível
associarem a minha busca permanente da beleza e da invenção. Valores que
podem ser apreciados por todo o mundo.
“As Igrejas de Oscar Niemeyer”
Autor: Oscar Niemeyer
Organizador: Vera Lucia Guimarães Niemeyer
Preço: R$ 150 (56 págs.)
Editora: Nosso Caminho