Maria queria se aposentar e, como ainda não tinha tempo suficiente para cumprir seu desejo, lembrou-se dos anos que trabalhou numa igreja batista de uma cidade do interior. Afinal, a lei previdenciária lhe autoriza a computar este período. Animada, foi até a cidade onde passou anos tão felizes de sua vida e lá estava a pequena igreja, construída com o suor e o amor de tantos irmãos, inclusive o dela. Agora havia um novo pastor, que Maria já sabia que não seguia mais os princípios batistas e implantara na igreja alguns modismos estranhos e novidadeiros. Contudo, Maria não estava ali em missão teológica, mas burocrática. Precisava apenas tirar cópias autenticadas dos documentos amarelados da igreja que comprovavam o seu vínculo empregatício. Conseguiu localizar o pastor e qual não foi a sua surpresa ao ouvir dele que todos os velhos livros da igreja haviam sido reunidos e queimados por ele próprio. Diante da inquisição documental consumada, Maria ficou muda e parou um pouquinho para pensar qual dor lhe apertava mais o coração. Não precisou de mais que alguns segundos para se convencer que não estava entristecida por não poder se aposentar mais cedo (o céu pode esperar!), mas estupefata por constatar que a história da igreja que tanto amava tinha sido deliberada e maldosamente incendiada por quem devia dela cuidar. Décadas de vidas consagradas à obra de Deus, de tanta gente querida e desinteressada, amigos e familiares que se dedicaram à igreja e ao Senhor por amor, devidamente registradas, haviam sido reduzidas a cinzas pelo decreto vaidoso de um só homem que se julgou no direito de eliminá-las sumariamente. Só restou a Maria dizer adeus.
O nome Maria é fictício, mas o fato relatado acima – infelizmente – é verdadeiro. Reflete o momento atual de muitas igrejas antigas, não só batistas, que caíram nas garras de homens inescrupulosos, que chegaram dissimulados e, sutil e sub-repticiamente, tomaram de assalto igrejas que foram constituídas há muitas décadas, e lhe imprimiram o seu “toque” pessoal. Já que não era mais possível criá-las ou fundá-las, esses pequenos deuses as transformaram à sua imagem e semelhança, para agradar o seu coração inchado de orgulho e peçonha. Predadores de almas, se julgam a causa e a origem de cada igreja, não mais Cristo, nem os irmãos que vieram antes deles, lutando e trabalhando nas circunstâncias mais adversas para edificar um templo material e – principalmente – espiritual para louvor do Senhor. Entretanto, eles próprios se consideram – ainda que inconscientemente muitas vezes – os destinatários e beneficiários do louvor daquela igreja. Para que este autoengano egocêntrico funcione, precisam mostrar ao mundo que – sem eles – a igreja não existiria. Nada mais justo para essas mentes mitomaníacas, portanto, que eles acendam uma fogueira e queimem o passado de serviço desinteressado e humilde que – nas prateleiras e nos arquivos empoeirados - testemunha contra eles. Afinal, a história da humanidade mostra que a primeira medida que os regimes ditatoriais e totalitários sempre tomaram foi justamente queimar os livros e a memória daqueles a quem combatiam. Bibliotecas inteiras foram incineradas para legitimar o novo líder, que se crê e quer se mostrar como o inaugurador de uma nova era. Inutilmente, por sinal, já que a verdade nunca se apaga e sempre prevalece, ainda que demore séculos para se revelar.
Muitas igrejas têm hoje pequenos ditadores que, na ânsia de se autoafirmarem, incendeiam e solapam os pilares sobre os quais elas foram construídas. Precisam romper o vínculo com a história e a ortodoxia que alimentaram o rebanho que eles querem usurpar. Nas suas fogueiras profanas, queimam livros e vidas que, mais cedo ou mais tarde, inexoravelmente, testemunharão contra eles porque a sua cegueira espiritual não lhes permite ver que, ao contrário da fumaça dos sacrifícios do Velho Testamento, o cheiro que sobe a Deus de suas vãs pirotecnias é fétido e enganador. Para eles também chegará a hora da aposentadoria, só que em vez de um lugar paradisíaco para a desfrutarem, terão uma desagradável surpresa também fumegante. O inferno não pode esperar; ele começa aqui mesmo.
Graça e paz Hélio.
ResponderExcluirA igreja que eu fui membro por mais de vinte anos e inclusive a pastoreei por cerca de dez anos se encontra assim, longe de ser uma igreja batista, hoje ela virou uma igreja neopentecostal de distribuição de pulseira a campanha de prosperidade. A última agora é a campanha da autoridade divina. Há muito deixou de ser uma igreja agora é um grande comércio varejista das "bênçãos de Deus".
Infelizmente isso tem sido algo muito comum em nossos dias.
Fique na Paz!
Pr. Silas Figueira