Há vários séculos que a chapa esquenta entre ortodoxos e muçulmanos na região da Ásia Menor, principalmente pelos 400 anos de dominação otomana. Entretanto, a participação muçulmana na população da Grécia nunca foi minúscula, ao contrário da participação ortodoxa na população da Turquia, onde fica o antigo patriarcado de Constantinopla (na atual Istambul), cuja importância histórica tem sido cada vez mais reconhecida e protegida. Como não há separação entre Igreja e Estado no país, os ortodoxos sempre foram refratários aos direitos religiosos da minoria muçulmana, que tem se movimentado pacificamente nas últimas décadas buscando construir uma mesquita ao norte da capital Atenas, além de um cemitério que atenda aos requisitos islâmicos. A faísca da rivalidade entre os vizinhos Grécia e Turquia continua latente, embora tenha se arrefecido ao longo dos anos, mas agora, com a crise econômica que atravessa o país, parece que o caldeirão está prestes a estourar, conforme a notícia abaixo, em português com grafia lusitana, da Presseurop:
Atenas: imigrantes no fio da navalha
Uma onda de pânico atingiu as forças da ordem, desde os confrontos violentos que os opuseram a imigrantes muçulmanos, na sequência de uma manifestação contra "o racismo e a islamofobia", no passado 22 de Maio.
Alexandros Kalafati
Os polícias estão de prevenção em todo o país, e temem-se novas movimentações sociais como as que se sucederam na Grécia em Dezembro de 2008, muito semelhantes aos confrontos vividos nos guetos parisienses em 2005. Os peritos explicam que os imigrantes muçulmanos já não conseguem controlar a cólera perante aquilo a que chamam “racismo da polícia”. As manifestações multiplicam-se na capital, e os pequenos grupos extremistas aproveitam a situação para relançar as “provocações”. Foi o que aconteceu a 23 de Maio, com o incêndio provocado na cave de um edifício no centro de Atenas, que servia como local de culto. O acto não foi reivindicado, mas um grupo extremista de direita rondava o edifício alguns minutos antes de irromperem as chamas.
Durante as manifestações, os imigrantes gritavam “Alá, Alá” e denunciavam os métodos policiais. Protestavam contra o gesto de um polícia, que terá arrancado e espezinhado o Corão durante um controlo de documentação. Está em curso um inquérito, mas há poucas testemunhas neutrais neste caso.
Com a aproximação das concentrações previstas para este fim-de-semana, o Ministério do Interior – após numerosas reuniões de emergência – pediu aos polícias que fiquem em estado de alerta por todo o país. Porque os muçulmanos não vivem apenas em Atenas. Há vários séculos que os muçulmanos das minorias turca, pomaque ou cigana coabitam com os gregos ortodoxos no Norte do país, na Trácia.
As relações são mais violentas em Atenas. Há alguns dias, um muçulmano quis disparar sobre uma esquadra num subúrbio de Atenas. Detido a tempo, foi a causa para uma série de controlos de identidade sobre imigrantes nessa mesma noite. À civil ou de uniforme, os polícias revistaram os porta-bagagens dos automóveis que mandavam parar.
O facto é que, neste momento, a polícia grega não conta nenhum muçulmano nas suas fileiras. Mas há vários meses que foram constituídos grupos de consultores nos serviços do Ministério para instaurar um sistema de recrutamento de muçulmanos e ter uma melhor intervenção em caso de urgência.
A dificuldade está na falta na colaboração entre o Estado grego e os muçulmanos, a maior parte dos quais acusa as autoridades de não cumprirem as promessas feitas. Trinta anos após o primeiro pedido de construção de um lugar de culto em Atenas, a mesquita permanece um sonho para os muçulmanos da capital. Desde há alguns anos, com a entrada de numerosos imigrantes clandestinos, o número de muçulmanos tem vindo sempre a aumentar. São quase 700.000 e utilizam lugares insalubres para rezar: cerca de 100 locais de oração ilegais na capital. São garagens e caves, situadas entre a praça da Concórdia e os bairros desfavorecidos que descem até ao Pireu. E não são mesquitas.
No entanto, o projecto de construção de um lugar de culto muçulmano em Atenas não é recente. Em 1978, o Rei Khaled da Arábia Saudita recebeu o compromisso do primeiro-ministro da época, Constantin Caramanlis, de que seria construída uma mesquita num subúrbio do norte de Atenas. Em 2000, com a perspectiva dos Jogos Olímpicos e a chegada de atletas muçulmanos quatro anos depois, falou-se da construção de um centro muçulmano e de uma mesquita em Peania, perto do aeroporto de Atenas. O projecto ficou parado porque a Igreja – que, na Grécia, não é separada do Estado – se opôs formalmente. Em 2006, foi apontado o bairro de Eleona, perto do centro de Atenas, e nada avançou. O mesmo sucede com o cemitério muçulmano. Resultado, os muçulmanos gastam milhares de euros para enterrar os seus defuntos na Trácia ou no seu país de origem. Muitos analistas estrangeiros acusam à Grécia, país cristão ortodoxo, de não apoiar os imigrantes muçulmanos. A questão é, pois, mais profunda do que umas simples confrontações, ainda que violentas, com a polícia.