O Estadão de hoje publica uma ótima entrevista com o escritor e historiador britânico Richard Evans, autor do livro "O Terceiro Reich no Poder", que acaba de ter sua versão em português lançada no Brasil pela Editora Planeta. Abaixo, destaque para o trecho final da entrevista, em que ele fala sobre a relação entre Hitler e a religião:
Qual foi o peso dos protestantes no sucesso das políticas antissemitas dos nazistas?
A Igreja Protestante na Alemanha foi durante muito tempo a Igreja do Estado. Em meados dos anos 30, ela foi dominada pelos "cristãos germânicos", que declararam que Jesus não era judeu e rejeitaram o Velho Testamento por ser trabalho dos judeus. Mas os fundamentalistas bíblicos opuseram-se a isso fortemente e criaram uma dissidência. Nenhum lado realmente venceu a batalha, mas Hitler se desiludiu e desistiu da ideia de uma síntese entre nazismo e protestantismo. Mesmo a dissidência protestante, contudo, não era livre de sentimentos antissemitas. Católicos eram mais distantes do regime, mas havia elementos antissemitas entre eles também. O antissemitismo nazista era racial, e não religioso, mas foi capaz de florescer sobre uma longa tradição de antissemitismo religioso na Alemanha e obter aval para suas políticas.
Podemos ver o nazismo como uma religião?
Certamente o nazismo foi um movimento que usou símbolos religiosos e rituais em alguma escala, e Hitler não era avesso ao uso de linguagem e imagens religiosas em seus discursos. A propaganda nazista o apresentava como uma espécie de messias que veio para redimir o povo alemão. Mas o nazismo não tinha nada a dizer a respeito da vida após a morte, como as religiões verdadeiras fazem. Não representava a redenção final, mas propagava a ideia de uma luta sem fim. Hitler condenava as tentativas de nazistas como Himmler de estabelecer uma religião alternativa ao cristianismo, baseada em rituais pseudogermânicos. O nazismo, ele disse, não era um culto, mas uma doutrina fria, científica e baseada na realidade.
Como o processo de inversão moral levado adiante pelos nazistas foi possível na Alemanha, cuja população era tão sofisticada?
Muitos alemães aceitaram apenas parcialmente a ideologia nazista, e alguns aceitaram mais que outros. Foi mais forte entre os jovens doutrinados pelas escolas e pela Juventude Hitlerista. Os alemães mais velhos, cujos valores tinham sido formados antes de 1933, eram mais resistentes. O terror e a intimidação tiveram peso na repressão. Os alemães não se manifestavam contra a violência e a brutalidade do nazismo porque acabaram se acostumando com a violência política da República de Weimar. A promessa nazista de regeneração conseguiu superar as reservas de muita gente. Os triunfos diplomáticos de Hitler cimentaram sua popularidade. A vitória sobre a França em 1940 a elevou a seu ponto mais alto. O nacionalismo era forte na Alemanha e levou muita gente tanto a apoiar o nazismo como a ignorar seu extremo radicalismo.
A Igreja Protestante na Alemanha foi durante muito tempo a Igreja do Estado. Em meados dos anos 30, ela foi dominada pelos "cristãos germânicos", que declararam que Jesus não era judeu e rejeitaram o Velho Testamento por ser trabalho dos judeus. Mas os fundamentalistas bíblicos opuseram-se a isso fortemente e criaram uma dissidência. Nenhum lado realmente venceu a batalha, mas Hitler se desiludiu e desistiu da ideia de uma síntese entre nazismo e protestantismo. Mesmo a dissidência protestante, contudo, não era livre de sentimentos antissemitas. Católicos eram mais distantes do regime, mas havia elementos antissemitas entre eles também. O antissemitismo nazista era racial, e não religioso, mas foi capaz de florescer sobre uma longa tradição de antissemitismo religioso na Alemanha e obter aval para suas políticas.
Podemos ver o nazismo como uma religião?
Certamente o nazismo foi um movimento que usou símbolos religiosos e rituais em alguma escala, e Hitler não era avesso ao uso de linguagem e imagens religiosas em seus discursos. A propaganda nazista o apresentava como uma espécie de messias que veio para redimir o povo alemão. Mas o nazismo não tinha nada a dizer a respeito da vida após a morte, como as religiões verdadeiras fazem. Não representava a redenção final, mas propagava a ideia de uma luta sem fim. Hitler condenava as tentativas de nazistas como Himmler de estabelecer uma religião alternativa ao cristianismo, baseada em rituais pseudogermânicos. O nazismo, ele disse, não era um culto, mas uma doutrina fria, científica e baseada na realidade.
Como o processo de inversão moral levado adiante pelos nazistas foi possível na Alemanha, cuja população era tão sofisticada?
Muitos alemães aceitaram apenas parcialmente a ideologia nazista, e alguns aceitaram mais que outros. Foi mais forte entre os jovens doutrinados pelas escolas e pela Juventude Hitlerista. Os alemães mais velhos, cujos valores tinham sido formados antes de 1933, eram mais resistentes. O terror e a intimidação tiveram peso na repressão. Os alemães não se manifestavam contra a violência e a brutalidade do nazismo porque acabaram se acostumando com a violência política da República de Weimar. A promessa nazista de regeneração conseguiu superar as reservas de muita gente. Os triunfos diplomáticos de Hitler cimentaram sua popularidade. A vitória sobre a França em 1940 a elevou a seu ponto mais alto. O nacionalismo era forte na Alemanha e levou muita gente tanto a apoiar o nazismo como a ignorar seu extremo radicalismo.
A íntegra da entrevista pode ser lida no site do Estadão.