segunda-feira, 20 de junho de 2011

Marrocos tira condição sagrada do rei mas proíbe conversão religiosa

A primavera árabe segue espalhando democracia no mundo islâmico, mas nem tanto assim. A nova Constituição proposta ao povo do Marrocos na esteira das revoltas populares que se alastraram como rastilho de pólvora pelos países da Liga Árabe, tirou do rei Mohamed VI o caráter absolutista de "sagrado", embora o mantenha como líder espiritual dos muçulmanos do país do Norte da África, que faz fronteira terrestre com os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, além de ter forte influência francesa. A liberdade de culto foi assegurada, mas não a de consciência, ou seja, ninguém pode mudar de religião, segundo noticia o site Carta Maior:

O rei já não é mais sagrado no Marrocos

Em resposta aos protestos que iniciaram em março, o rei do Marrocos anunciou sexta-feira os princípios gerais da nova Constituição do país. O texto retira alguns poderes do rei Mohamed VI, entre eles o seu caráter supostamente sagrado. A modificação da Carta Magna, que encaminhará o país africano para um modelo de uma monarquia constitucional, deverá ser votado em um referendo no dia 1° de julho. Críticos do projeto dizem que objetivo do rei é calar as manifestações de protesto.

Após os protestos civis iniciados em março, o rei Mohamed VI anunciou em um discurso televisionado para todo o país as principais linhas da nova Constituição, um texto que contempla um corte parcial de seus poderes para entregá-lo a um primeiro ministro e ao parlamento. Além disso, o monarca deixará de ser considerado “sagrado”. A modificação da Carta Magna, que encaminhará o país africano para um modelo de uma monarquia constitucional, deverá ser votado em um referendo no dia 1° de julho.

“Conseguimos, três meses depois de ter iniciado um processo de revisão constitucional, desenvolver uma nova carta constitucional democrática. Vamos reduzir os poderes do rei”, foi um dos primeiros pontos lidos pelo monarca, que deixará de ser considerado “sagrado”, mas manterá sua liderança religiosa como chefe espiritual dos muçulmanos. A reforma constitucional, que foi aprovada sexta-feira pelo Conselho de Ministros do Marrocos, chega após os maiores protestos realizados em décadas contra a elite governante. Diante desses protestos, Mohamed VI ordenou a um comitê escolhido a dedo realizar consultas com os partidos políticos, sindicatos e grupos da sociedade civil obre uma reforma da Constituição.

A reforma, que substituirá a Constituição de 1996, prevê que o rei deverá escolher o primeiro ministro, que se chamará presidente do governo, no interior da maioria parlamentar. Este, a partir de agora, nomeará os ministros, os altos funcionários, os diretores de empresas públicas e os embaixadores, ainda que, para alguns desses cargos, será preciso o aval do soberano. Os assuntos religiosos continuarão sendo de sua exclusiva incumbência. Ainda que “o Islã seja a religião do Estado”, o artigo 41 da Constituição estipula que o rei “é o fiador da liberdade da prática religiosa”.

Assim, o Marrocos confirma seu reconhecimento da liberdade de culto, mas não da liberdade de consciência, ou seja, a possibilidade de um muçulmano mudar de religião. Além disso, o rei manterá sob sua autoridade as Forças Armadas e a política externa, e seguirá presidindo o Conselho de Ministros, exceto quando delegar essa tarefa ao presidente do governo e a um Conselho Nacional de Segurança, que será criado.

O papel do Parlamento será reforçado, já que poderá tomar a iniciativa de revisar a Constituição, promulgar anistias, criar comissões de investigação e alguns altos cargos, como o do presidente do Tribunal de Contas, deverão comparecer ao plenário uma vez por ano.

O preâmbulo da Carta Magna ressalta, além do caráter árabe do Marrocos, suas raízes judias e andaluzas. Parte de sua população emigrou no século XV da Andaluzia para o Marrocos, razão que explica a incorporação do idioma dos bereberes. Os partidos disporão de dez dias para fazer campanha a favor ou contra a nova Constituição, que substituirá a de 1996.

Os defensores da reforma apontam que Mohamed VI confirma com ela sua vontade de “consolidar os pilares de uma monarquia constitucional, democrática, parlamentar e social”, como disse o rei em seu discurso, e se inscreve em um processo de transição. Para os críticos do projeto, no entanto, trata-se de uma tentativa tardia, pouco discutida na sociedade e que busca acima de tudo calar as manifestações de protesto surgidas no Marrocos por contágio das revoltas na Tunísia, Líbia e Egito, e encarnadas no Movimento 20 de Março.

Fonte: Página/12
Tradução: Katarina Peixoto

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