segunda-feira, 6 de junho de 2011

Quando alguém ouve vozes, vê vultos e se torna ateu


O vídeo abaixo deve ser visto e ouvido com todo o cuidado e respeito devido a quem se expõe desta maneira e relata de forma corajosa e aparentemente sincera o problema que enfrentou (e continua enfrentando). O rapaz era mórmon (o que não é exatamente sinônimo de "cristão") quando começou a ouvir vozes e ver vultos, e não encontrou solução na sua religião, depois foi a uma sessão de umbanda (onde grotescamente lhe recomendaram que comesse menos feijão à noite para não ter pesadelos) e chegou a cogitar uma visita à igreja universal, mas estava convencido de que eles só queriam o seu dinheiro e rejeitou de plano concretizar a ideia. Após muito sofrimento e quatro tentativas de suicídio, foi diagnosticado como tendo transtorno bipolar e, a partir daí, buscou orientação médica adequada, passou a tomar remédios controlados e se tornou ateu. Aliás, por isso mesmo é preciso fazer um reparo no título do vídeo, "Como um ateu lida com espíritos": o jovem em questão NÃO era ateu quando começou a ouvir vozes e ver ectoplasmas. Isto é também um alerta para que tanto crentes como descrentes, ao passarem por essas experiências inusitadas, tenham o bom senso de buscar a ajuda especializada de um psiquiatra.


Ainda que se deva ouvir o que o rapaz diz com o respeito que lhe cabe, o vídeo deixa claro que a característica marcante do ateísmo que se diz "moderno" (ou "neoateísmo") é justamente a sua generalização, o que não deixa de ser um contra-senso, já que a antítese da religião a que se apegam - a ciência -, tem na especificidade (metodológica) uma de suas características definidoras. Se é verdade que muitos charlatões religiosos exploram problemas psiquiátricos atribuindo-lhes a condição de "espirituais", também é verdade que ninguém se torna ateu única e exclusivamente por ter transtorno bipolar, ou por não encontrar na religião uma solução para o seu problema. Em síntese, respeitada a peculiaridade de cada caso, não se deve - necessariamente - deixar os remédios por causa da religião, nem deixar a religião por causa dos remédios. Não existe uma relação intrínseca de causalidade, contradição, aversão ou mútua exclusão entre medicina e religião. Transtornos psiquiátricos, ainda que tenham - muitas vezes - referências religiosas, independem de crença ou fé, e há pessoas crentes que enfrentam o problema com toda a dignidade. Para muitas delas, a religião funciona inclusive como uma terapia de suporte, o que certamente não vale para outras pessoas, e por isso mesmo não se deve generalizar diagnósticos e tratamentos, algo que muitos ateus nem percebem que fazem, pois talvez estejam - por exemplo - oferecendo a "solução milagrosa" do ateísmo para a esquizofrenia, o que só faz sentido (ainda que equivocado) no contexto místico de uma religião qualquer. É importante insistir à exaustão que a especificidade de cada caso - grave como este - deve ser examinada por um médico habilitado para tanto, e jamais pode ser negligenciada a troco de qualquer tipo de generalização, seja ela religiosa, filosófica ou materialista.


Aliás, isto serve também para demonstrar como o neoateísmo está se transformando em uma "neo-religião" nem tão nova assim, como já comentamos no texto "Seria o neoateísmo uma antiga religião?". O depoimento do rapaz funciona como um "testemunho" de sua "conversão" aos demais não-crentes, exaltando os benefícios do não-crer. Ainda que seja, do ponto de vista humano, melhor do que muitos depoimentos fabricados sobretudo nos programas evangélicos na TV, não deixa de ser um testemunho para animar os seus irmãos de descrença. De qualquer maneira, independentemente do fato do rapaz ser ateu ou não, somos todos humanos, e fazemos os melhores e mais sinceros votos de que ele se cuide bem e tenha uma ótima e produtiva vida sem qualquer tipo de transtorno. Resumo da ópera: se você ouve vozes e/ou vê vultos, independentemente do que você crê ou não crê, procure um bom psiquiatra, que é o profissional indicado para avaliar o quanto a sua lucidez está comprometida (ou não) e lhe prescrever o melhor tratamento para o seu caso específico. Não é vergonha alguma, e - devidamente tratado - você pode continuar sendo religioso, ateu ou "tô nem aí" com toda a qualidade de vida que um ser humano merece e pode ter.

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