A matéria abaixo foi publicada no Correio Braziliense do dia 16/05/11 e marca uma discussão que deve ser levada a sério por todos os brasileiros. Sou advogado honesto, admiro minha profissão, e graças ao bom Deus nunca precisei me submeter a nenhum tipo de mutreta para me sustentar, e nem me submeteria jamais. Uma das coisas que eu mais prezo na vida é poder dormir com a consciência tranquila, e, creiam-me, meu sono é uma maravilha e não sei o que é insônia. Por isso, eu concordo que alguma medida legal tem que ser tomada para evitar que criminosos e corruptos de todo jaez, que não têm dinheiro com origem licitamente comprovada, paguem regiamente advogados de renome que cobram muito caro para defendê-los. Se é verdade que pecunia non olet ("o dinheiro não tem cheiro"), também é verdade que o estado de direito tem na transparência e na moralidade dois de seus princípios fundadores (só para citar alguns). Estranho é que, no caso de corrupção, por exemplo, a sociedade seja lesada pelo corrupto e ainda pague o advogado de ponta que ele contrata para se safar da cadeia, o que não deixa de ser uma subespécie macabra de "advogado dativo". Que ética é esta? Claro que já apareceram vozes contrárias a qualquer tipo de regulação, como o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, e Ophir Cavalcante, presidente do Conselho Federal da OAB, que, data venia, precisam melhorar a argumentação. Comparar o criminoso que contrata um advogado (com o dinheiro do crime) com o paciente que paga o médico é de uma indelicadeza atroz, a não ser que o médico tenha feito conscientemente uma cirurgia plástica para dar outra cara ao bandido. Além disso, salvar uma vida que se esvai é um imperativo legal e urgente; já livrar a cara do criminoso depende do devido processo legal que demora muitos anos, e defesa, mesmo que dativa, nunca lhe faltará. A notícia está no clipping do Ministério do Planejamento:
Rastreamento dos honorários
Josie Jeronimo e Diego Abreu
Dinheiro público, da iniciativa privada e do mundo do crime. De onde vem os recursos que pagam os honorários dos advogados que defendem chefes do crime organizado? Não são raros os casos de advogados que recebem honorários milionários de clientes que não têm outra fonte de renda a não ser o de atos ilícitos. Ao traficante Fernandinho Beira-Mar, por exemplo, é creditado um staff de 25 advogados. Escutas telefônicas mostraram relação escusa entre o traficante e seus defensores. Informações reservadas da polícia dão conta de que Beira-Mar teria desembolsado de uma só vez R$ 100 mil para remunerar um defensor.
Juristas, parlamentares e representantes de entidades civis discutiram em audiência no Senado a elaboração de lei para vetar pagamento de honorários com dinheiro de origem ilícita. Defensores da criação de mecanismo de transparência na remuneração de advogados que atuam na defesa de criminosos conhecidos por lesarem os cofres públicos ou chefiarem grupos de tráfico e contravenção citam o sistema italiano como exemplo. O juiz federal Wilson José Witzel, que atua em vara de execução fiscal no Rio de Janeiro e integra a Diretoria da Associação de Juizes Federais do Brasil (Ajufe), é entusiasta das medidas de controle e afirma que o resgate ético do tema passa pela proibição de escritórios privados aceitarem causas, mesmo se o advogado argumentar que defenderá o acusado gratuitamente. “Em alguns países como a Itália, pessoas acusadas de pertencer ao crime organizado são defendidas pelo Estado, pelos defensores públicos e os advogados têm que declarar os honorários recebidos. Não precisava mudar a legislação, se a mentalidade mudasse. A discussão deveria começar na academia.”
O controle da origem ilícita dos honorários é tema recorrente no Congresso. Parlamentares que apresentaram projetos de lei propondo veto à movimentação de dinheiro obtido com práticas criminosas para pagar defensores foram alvos de poderoso lobby da bancada dos advogados. O senador Pedro Taques (PDT-MT) reacendeu a discussão. O parlamentar afirma que apresentará proposta determinando que integrantes do crime organizado sejam representados por defensores públicos. O pedetista ressalta que o projeto não tem o objetivo de cercear o direito de defesa nem de diminuir a importância dos advogados no sistema legal, mas de evitar que o poderia do crime organizado se imponha. “O advogado é importante, é imprescindível. Nós temos que nos preocupar de onde vem o dinheiro. Se o traficante não tem outra fonte de recursos, como paga os honorários?”, questiona.
Mas a proposta de rastrear os honorários pagos por membros do crime organizado não agrada a advogados e a juristas ouvidos pelo Correio nem ao ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado destaca que não é cabível colocar em suspeição qualquer advogado. “Foge à razoabilidade. Quando você vai ao médico e paga a consulta, o médico tem o direito de perguntar de onde vem o dinheiro? A resposta é não. Então, não vejo como essa proposta prosperar sob o ângulo da razoabilidade e do nosso sistema jurídico”, afirma Marco Aurélio.
O ministro também discorda do projeto que restringe a defesa de membros de facções criminosas a defensores públicos. Segundo o ministro, todo cidadão tem o direito de escolher seu defensor, assim como todo advogado tem o direito de defender um criminoso, “seja ele quem for”.
Procurado, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, diz que a entidade “repudia com veemência” a proposta, que, segundo ele, “representa um ataque a advocacia”. Ophir afirma que uma eventual investigação da origem do dinheiro pago aos advogados foge à razoabilidade, uma vez que os pagamentos feitos a profissionais de outras áreas não são inspecionados. “Não só advogado, mas também médicos, engenheiros e contadores acabam recebendo dinheiro de origem ilícita. O advogado não defende um crime, mas o criminoso”, argumenta.
Juristas, parlamentares e representantes de entidades civis discutiram em audiência no Senado a elaboração de lei para vetar pagamento de honorários com dinheiro de origem ilícita. Defensores da criação de mecanismo de transparência na remuneração de advogados que atuam na defesa de criminosos conhecidos por lesarem os cofres públicos ou chefiarem grupos de tráfico e contravenção citam o sistema italiano como exemplo. O juiz federal Wilson José Witzel, que atua em vara de execução fiscal no Rio de Janeiro e integra a Diretoria da Associação de Juizes Federais do Brasil (Ajufe), é entusiasta das medidas de controle e afirma que o resgate ético do tema passa pela proibição de escritórios privados aceitarem causas, mesmo se o advogado argumentar que defenderá o acusado gratuitamente. “Em alguns países como a Itália, pessoas acusadas de pertencer ao crime organizado são defendidas pelo Estado, pelos defensores públicos e os advogados têm que declarar os honorários recebidos. Não precisava mudar a legislação, se a mentalidade mudasse. A discussão deveria começar na academia.”
O controle da origem ilícita dos honorários é tema recorrente no Congresso. Parlamentares que apresentaram projetos de lei propondo veto à movimentação de dinheiro obtido com práticas criminosas para pagar defensores foram alvos de poderoso lobby da bancada dos advogados. O senador Pedro Taques (PDT-MT) reacendeu a discussão. O parlamentar afirma que apresentará proposta determinando que integrantes do crime organizado sejam representados por defensores públicos. O pedetista ressalta que o projeto não tem o objetivo de cercear o direito de defesa nem de diminuir a importância dos advogados no sistema legal, mas de evitar que o poderia do crime organizado se imponha. “O advogado é importante, é imprescindível. Nós temos que nos preocupar de onde vem o dinheiro. Se o traficante não tem outra fonte de recursos, como paga os honorários?”, questiona.
Mas a proposta de rastrear os honorários pagos por membros do crime organizado não agrada a advogados e a juristas ouvidos pelo Correio nem ao ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado destaca que não é cabível colocar em suspeição qualquer advogado. “Foge à razoabilidade. Quando você vai ao médico e paga a consulta, o médico tem o direito de perguntar de onde vem o dinheiro? A resposta é não. Então, não vejo como essa proposta prosperar sob o ângulo da razoabilidade e do nosso sistema jurídico”, afirma Marco Aurélio.
O ministro também discorda do projeto que restringe a defesa de membros de facções criminosas a defensores públicos. Segundo o ministro, todo cidadão tem o direito de escolher seu defensor, assim como todo advogado tem o direito de defender um criminoso, “seja ele quem for”.
Procurado, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, diz que a entidade “repudia com veemência” a proposta, que, segundo ele, “representa um ataque a advocacia”. Ophir afirma que uma eventual investigação da origem do dinheiro pago aos advogados foge à razoabilidade, uma vez que os pagamentos feitos a profissionais de outras áreas não são inspecionados. “Não só advogado, mas também médicos, engenheiros e contadores acabam recebendo dinheiro de origem ilícita. O advogado não defende um crime, mas o criminoso”, argumenta.