domingo, 1 de maio de 2011

Adeus, Ernesto Sabato

No próximo dia 30 de junho, o grande escritor argentino Ernesto Sabato completaria 100 anos de vida. Não deu tempo de celebrar o centenário, infelizmente, já que ontem ele nos deixou. Deixou também uma imensa obra literária da melhor qualidade, além de uma militância política cujo maior momento foi a presidência da Comissão Nacional de Desaparecidos Políticos da Argentina, entre 1983 e 1984, logo após a derrocada da ditadura militar e do retorno da democracia àquele país, cargo para o qual foi indicado por Raúl Alfonsín, primeiro presidente civil pós-ditadura. Deste trabalho coletivo sob sua batuta, que investigou cerca de 30.000 desaparecidos políticos, resultou o livro "Nunca Mais", que ficou também conhecido como "Informe Sabato", responsável por levar a julgamento os militares golpistas, assassinos e corruptos da Argentina, coragem que, diga-se de passagem, o Brasil não teve. Ernesto Sábato escreveu vários livros, dos quais se destacam "Informe sobre Cegos", "Sobre Heróis e Tumbas" e aquele que eu considero um dos 10 melhores livros que li na vida, "O Túnel", sobre o qual já tinha escrito uma resenha em abril de 2008, e em homenagem póstuma ao autor, aproveito para republicá-la:

"O Túnel" é, para mim, o melhor livro de Ernesto Sábato, mais um grande escritor deste país de grandes escritores (e jogadores de futebol) que é... a Argentina, para horror dos arroubos patrióticos do Galvão Bueno. Isto não significa demérito ao restante da sua obra, que é igualmente importante e digna de destaque, como "Sobre Heróis e Tumbas". Entretanto, "O Túnel" tem a vantagem (rara, hoje em dia) de ser um livro curto e grosso, sucinto, com uma narrativa ágil e eletrizante, bem ao ritmo do seu personagem central, Juan Pablo Castel, como que acompanhando o seu delírio passional que o leva a matar Maria Iribarne. Não se preocupem, não estou contando o final do livro. Pelo contrário, a sua primeira frase revela o assassinato. Aí, em retrospectiva, Juan Pablo Castel, em primeira pessoa, leva o leitor ao momento inicial em que conheceu Maria Iribarne. Ele, um pintor até certo ponto medíocre, está no recinto da exposição de seus quadros, quando Maria é a única pessoa, em todo o vernissage, que observou (e se comoveu com) um pequeníssimo detalhe de uma mulher olhando pela janela numa casinha num cantinho obscuro de um dos seus quadros. Este pequeno "incidente" desperta uma paixão instantânea (e incendiária) de Juan Pablo por Maria, em que o real e o imaginário, o são e o doentio, insistem em se chocar numa série de acidentes de percurso, até o desfecho fatal. Obviamente, como o fim é revelado logo no começo, o que menos importa é este desfecho, mas tudo o que o implica, todas as coisas que levam a este desenlace cruel de uma paixão louca e alucinada que percorre uma Buenos Aires da década de 40, envolta em brumas e mistérios que a calada da noite demoraria mais a revelar não fosse o ritmo desesperado que contagia o leitor. O livro foi lançado em 1948, mas permanece atual. Lê-lo é conhecer a alma do argentino típico, as suas crises, os seus rompantes passionais, o tango impregnado nas veias e nas vias de uma cidade e um país que começava a perceber a sua decadência econômica e moral. Nada muito diferente do Brasil, obviamente, afinal somos muito mais parecidos do que o mais ferrenho patriota (de ambos os lados) queira negar. O porquê do título do livro é revelado num dos capítulos finais, e, por mais que eu considere essa descrição um dos melhores momentos da literatura mundial, prefiro me silenciar a tirar do leitor o prazer de chegar até aí, lê-lo, entendê-lo e, por que não dizer, surpreender-se ao identificar-se com o "túnel" de Juan Pablo Castel (e de Ernesto Sábato, por supuesto).



Notícia da Folha.com:

Milhares de pessoas se despedem do escritor Ernesto Sábato

O corpo do escritor argentino Ernesto Sábato, falecido no sábado aos 99 anos, foi enterrado neste domingo em um cemitério na periferia de Buenos Aires, depois de ter sido velado em Santos Lugares, onde viveu por 60 anos.

O velório do autor de "O Túnel" foi realizado na tarde de sábado e foi retomado na manhã deste domingo no Clube Atlético Defensores, onde o escritor gostava de jogar dominó.

"Quando morrer, quero ser velado aqui, para que as pessoas do bairro possam me acompanhar nesta viagem final e quero que se lembrem de mim como um vizinho, às vezes rabugento, mas, no fundo, um cara legal", dizia o escritor, segundo Mario Sábato, o filho mais novo.

Sábato foi enterrado no cemitério de Pilar (a 54 km de Buenos Aires).

"Papai, vá em paz. Fez tudo o que tinha que fazer", disse Mario com a voz embargada, em uma breve cerimônia.

A presidente Cristina Kirchner enviou uma coroa de flores ao velório e conversou por telefone de sua residência particular de Calafate (sul) com Mario Sábato e Elvira González Fraga, ajudante que permaneceu ao lado do escritor durante os últimos anos, informou a agência oficial Télam.

Líderes de todas as correntes políticas prestaram suas homenagens ao escritor.

Prêmio Cervantes de Literatura em 1984, Sábato foi homenageado neste domingo na Feira do Livro de Buenos Aires.

Nascido em 24 de junho de 1911 na cidade de Rojas, foi o penúltimo de 11 filhos.

Sábato, um dos gigantes da literatura argentina ao lado de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, morreu na madrugada de sábado, dois meses antes de completar 100 anos.

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