terça-feira, 31 de maio de 2011

Jovens cristãos se sentem oprimidos no Canadá

O jornal canadense The Gazzette, de Montreal, traz uma matéria interessante sobre uma pesquisa feita recentemente para o Congresso de Humanidades e Ciências Sociais (Congress of the Humanities and Social Sciences), um encontro acadêmico multidisciplinar de alto nível.

O trabalho mostra que os evangélicos que são filhos de imigrantes sentem que eles não podem praticar abertamente a sua religião e têm a impressão de que o cristianismo não é mais uma força dominante na sociedade canadense.

Enquanto isso, seus correspondentes muçulmanos se sentem livres para praticar a fé do Islã no Canadá, embora se sintam vítimas de outra forma de discriminação.

Peter Beyer, professor de estudos religiosos na Universidade de Ottawa se disse um tanto quanto surpreso por ver o grau como os cristãos se sentem pressionados. 

A sua pesquisa colheu opiniões de 350 jovens adultos canadenses de segunda geração, com idade entre 18 e 30 anos, em 36 grupos específicos de Sydney, N.S, Montreal, Ottawa, Toronto, Edmonton e Vancouver. 

Cada um desses grupos tinha membros que possuíam antecedentes religiosos comuns, e, enquanto os cristãos se sentiam reprimidos para expressar sua fé, os muçulmanos se diziam discriminados, não por sua religião (já que se sentem absolutamente livres para praticá-la), mas por outros tipos de preconceito, de ordem racial e cultural. 

Os jovens da província francófona de Quebec, por sua vez, têm um senso muito elevado de busca da independência de sua região, algo recorrente por aqueles lados, considerando o fato de que se sentem separados das demais províncias anglófonas por sua cultura francesa.

Nada de novo no front canadense, entretanto. Parece que estamos enfrentando um período acelerado de "descristianização" dos países mais ricos do mundo.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Como a religião criou a civilização

A próxima edição de junho da revista National Geographic, na sua edição norteamericana, trará uma matéria sobre Göbekli Tepe, o local na Turquia onde foi encontrado o primeiro templo de que se tem notícia no mundo. Provavelmente, a sua versão brasileira trará em breve o mesmo material. Segundo a Wikipedia:
Göbekli Tepe (Monte com Barriga ou Monte com Umbigo em turco) é o topo de uma colina onde foi encontrado um santuário, no ponto mais alto de um encadeamento montanhoso que forma a porção mais a sudeste dos montes Tauro, a aproximadamente 15km a nordeste de Şanlıurfa (Urfa) no sudeste da Turquia. O tel tem 15 metros de altura por 300 de diâmetro. O sítio arqueológico, que está sendo escavado por arqueólogos alemães e turcos, foi construído por caçadores-coletores no décimo milénio a.C., antes do advento do sedentarismo. Junto com o sítio de Nevalı Çori, revolucionou o conhecimento do neolítico e as teorias sobre o início da civilização. As descobertas também têm um importante impacto sobre a história das religiões. Tem se especulado na mídia popular estrangeira e em blogs conexões com o Jardim do Éden bíblico. Devido à forma das casas, está tentar interpretar-se se eram casas ou templos porque os 2 pilares centrais de todas as estruturas encontradas, estão virados para Oeste, que, nestas culturas do crescente fértil, representa o renascer.

A matéria da National Geographic, intitulada The Birth of Religion ("O Berço da Civilização"), destaca que Göbekli Tepe foi construída muito antes do que se imaginava. O sítio lembra vagamente o antigo templo britânico de Stonehenge, embora tenha sido construído muito tempo antes e seja muito mais elaborado do ponto de vista artístico, já que não se tratava apenas de blocos de pedras geometricamente colocados, mas de pilares de granito decorados com baixos relevos de gazelas, cobras, raposas, escorpiões e javalis ferozes. A investigação científica indica que Göbekli Tepe tem cerca de 11.600 anos de idade, 7 milênios antes, por exemplo, da Grande Pirâmide de Quéops. É o primeiro caso registrado de arquitetura monumental na história da humanidade, e quando o templo foi construído, até onde se sabe não havia nada no mundo que pudesse ser minimamente comparado, já que a população então existente era quase que completamente constituída por tribos nômades. Ao que parece, grandes descobertas ainda estão reservadas para se compreender o real significado de Göbekli Tepe.

Comentando o artigo em questão na sua coluna no The Huffington Post, o rabino Brad Hirschfield provoca: "Did Religion Create Civilization?" ("A Religião Criou a Civilização?"):
Por anos, historiadores, arqueólogos, antropólogos, e provavelmente todos os outros "ólogos" têm concordado que a agricultura criou a civilização, incluindo a religiâo, como nós a conhecemos nos últimos 12.000 a 15.000 anos. Era assumido que, ao se fixarem e estabelecerem para viver da agricultura, as pessoas construíram cidades, criaram a arte e inventaram religiões organizadas que se adequassem às suas novas necessidades, que eles tinham que encarar na transição de coletores e caçadores para fazendeiros. Ou não.

O site da National Geographic disponibiliza também um vídeo que mostra uma maquete em argila que especula como teria sido o templo de Göbekli Tepe no seu esplendor.




Atualização de 19/06/11:

A matéria da National Geographic já foi traduzida e publicada em sua versão brasileira, e pode ser acessada clicando-se aqui. Destacamos um pequeno trecho da matéria:

Antropólogos supõem que a religião organizada começou como um recurso para mitigar as tensões que surgiram quando os caçadorescoletores se fixaram, adotaram a agricultura e desenvolveram sociedades populosas. Comparada a um grupo nômade, a sociedade de um vilarejo tem objetivos complexos e de mais longo prazo: armazenar grãos, manter habitações. É maior a probabilidade de que os moradores alcancem esses objetivos se os membros se comprometerem com o empreendimento coletivo. Embora práticas religiosas primitivas - sepultar os mortos, criar arte em cavernas, esculpir estatuetas - houvessem surgido dezenas de milhares de anos antes, a religião organizada, segundo essa concepção, só veio a emergir quando foi necessária uma visão comum da ordem celestial para dar coesão a novos, numerosos e frágeis grupos humanos. Ela também poderia ter ajudado a justificar a hierarquia social que se formava em uma sociedade mais complexa. Os que ascendiam ao poder eram vistos como dotados de uma ligação especial com os deuses. Comunidades de fiéis, unidas em uma visão sobre o mundo e seu lugar nele, eram mais sólidas que os meros ajuntamentos de gente briguenta.

Göbekli Tepe, na opinião de Schmidt, sugere um cenário inverso: a construção de um templo por um grupo de extrativistas é indício de que a religião organizada pode ter surgido antes da agricultura e dos outros aspectos da civilização. Sugere que o impulso de se reunir para rituais sagrados nasceu quando os seres humanos deixaram de se ver como parte do mundo natural e passaram a buscar o domínio sobre a natureza. Quando os extrativistas começaram a se fixar em povoações, criaram uma divisão entre a esfera humana - o aglomerado fixo de casas com centenas de habitantes - e a perigosa terra além da fogueira, povoada por animais mortíferos.

O arqueólogo francês Jacques Cauvin supôs que essa mudança de mentalidade foi uma "revolução de símbolos", um desvio conceitual que permitiu aos seres humanos imaginar deuses - seres sobrenaturais à semelhança do homem - em um universo fora do mundo físico. Schmidt vê Göbekli Tepe como uma evidência em favor da teoria de Cauvin. "Os animais eram guardiões do mundo dos espíritos", diz. "Os relevos esculpidos nos pilares em T ilustram esse outro mundo."

Schmidt imagina que os extrativistas que viviam em um raio de 160 quilômetros de Göbekli Tepe tenham criado o templo como um local sagrado para se reunir em eventos, e talvez trazer presentes e tributos a seus sacerdotes e artesãos. Teria sido preciso algum tipo de organização social não só para construir mas também para lidar com as multidões que o lugar atraía. Podemos imaginar cantos e tambores, os animais nos grandes pilares dando a impressão de se moverem à luz bruxuleante das tochas. Decerto havia festas; Schmidt descobriu bacias de pedra que talvez tenham sido usadas para cerveja. O templo era um locus espiritual, mas também pode ter sido a versão neolítica da Disneylândia.

Com o passar do tempo, acredita Schmidt, a necessidade de obter alimento suficiente aos que trabalhavam e se reuniam nas cerimônias em Göbekli Tepe pode ter levado ao cultivo intensivo de cereais silvestres e à criação de algumas das variedades domesticadas. De fato, hoje os cientistas supõem que um centro agrícola surgiu no sul da Turquia, a uma distância factível de Göbekli Teppe, bem na época em que o templo estava no auge. Os ancestrais silvestres mais próximos conhecidos da espécie de trigo Triticum monococcum são encontrados nas encostas de Karaca Dağ, uma montanha a 96 quilômetros no nordeste de Göbekli Tepe. Em outras palavras, a guinada para a agricultura apregoada por V. Gordon Childe pode ter sido resultado de uma necessidade arraigada na mente humana, uma fome que ainda impele pessoas a viajar pelo globo em busca de visões inspiradoras de reverência.

Algumas das primeiras evidências de domesticação de plantas provêm de Nevalı Çori, um povoado nas montanhas a mais de 30 quilômetros. Como Göbekli Tepe, Nevalı Çori surgiu logo depois da mini-idade do gelo, uma época que os arqueólogos designam pelo insosso termo Neolítico Pré-Cerâmica (NPC ). Nevalı Çori agora está inundado por um lago de uma usina hidrelétrica. Mas, antes que as águas impedissem as pesquisas, arqueólogos encontraram pilares em forma de T e imagens de animais parecidos com os que Schmidt mais tarde descobriria em Göbekli Tepe. Pilares e imagens semelhantes existiram em povoações do NPC distantes 160 quilômetros de Göbekli Tepe. Assim como hoje é possível supor que os lares com cenas da Virgem Maria pertencem a cristãos, diz Schmidt, as imagens nesses sítios do NPC indicam uma religião comum - uma comunidade de fé ao redor de Göbekli Teppe que pode ter sido o primeiro grupo religioso de fato grande no mundo.

domingo, 29 de maio de 2011

Pra que serve o amor?

Curta-metragem de Louis Clichy para a canção "A Quoi Ça Sert l'Amour", de Edith Piaf:

A quoi ca sert l'amour? from flowmotionfox on Vimeo.



letra e tradução do Letras.mus.br


A Quoi ÇA Sert L'amour

A quoi ça sert l'amour ?
On raconte toujours
Des histoires insensées.
A quoi ça sert d'aimer ?

L'amour ne s'explique pas !
C'est une chose comme ça,
Qui vient on ne sait d'où
Et vous prend tout à coup.

Moi, j'ai entendu dire
Que l'amour fait souffrir,
Que l'amour fait pleurer.
A quoi ça sert d'aimer ?

L'amour ça sert à quoi ?
A nous donner d' la joie
Avec des larmes aux yeux...
C'est triste et merveilleux !

Pourtant on dit souvent
Que l'amour est décevant,
Qu'il y en a un sur deux
Qui n'est jamais heureux...

Même quand on l'a perdu,
L'amour qu'on a connu
Vous laisse un goùt de miel.
L'amour c'est éternel !

Tout ça, c'est très joli,
Mais quand tout est fini,
Il ne vous reste rien
Qu'un immense chagrin...

Tout ce qui maintenant
Te semble déchirant,
Demain, sera pour toi
Un souvenir de joie !

En somme, si j'ai compris,
Sans amour dans la vie,
Sans ses joies, ses chagrins,
On a vécu pour rien ?

Mais oui ! Regarde-moi !
A chaque fois j'y crois
Et j'y croirai toujours...
Ça sert à ça, l'amour !
Mais toi, t'es le dernier,
Mais toi, t'es le premier !
Avant toi, 'y avait rien,
Avec toi je suis bien !
C'est toi que je voulais,
C'est toi qu'il me fallait !
Toi qui j'aimerai toujours...
Ça sert à ça, l'amour !...

Pra Que Serve o Amor

Pra que serve o amor?
A gente conta todos os dias
Histórias insensatas
Pra que serve amar?

O amor não se explica
É uma coisa assim
Que vem não se sabe de onde
E te pega de uma vez

Eu, eu escutei dizer
Que o amor faz sofrer
Que o amor faz chorar
Pra que se serve amar?

O amor, serve pra que?
Para nos dar alegria
Com lágrimas nos olhos
É uma triste maravilha

No entanto, dizem geralmente
Que o amor é decepcionante
Que de dois há um
Que nunca está contente

Mesmo quando o perdemos
O amor que conhecemos
Nos deixa um gosto de mel
O amor é eterno

Tudo isso é muito bonito
Mas quando tudo acabou
Não lhe resta nada
Além de uma enorme dor...

Tudo que agora
Lhe parece dilacerante,
Amanhã, será para você
Uma lembrança de alegria!

Em resumo, se eu entendi,
Que sem amor na vida
Sem essas alegrias, essas mágoas
Nós vivemos para nada?

Mas sim! Olhe pra mim!
Cada vez mais eu acredito nisso
E eu acreditarei pra sempre...
Que é pra isso que serve o amor!
Mas você, você é o último,
Mas você, você é o primeiro!
Antes de você não havia nada
Com você eu estou bem
Era você quem eu queria
Era de você que eu precisava
Você que eu amarei pra sempre
Pra isso que serve o amor!...

sábado, 28 de maio de 2011

O papa é pop mas quem dança são os outros

De vez em quando, acontece o contrário do esperado e a realidade imita a ficção. No recente remake da novela Ti-ti-ti, da Rede Globo, a personagem vivida por Claudia Raia, Jacqueline Maldonado, após uma desilusão amorosa com o estilista Jacques Leclair (vivido por Alexandre Borges) levava todo seu, digamos, "fogo", para um convento da imaginária "Ordem das Pecadoras Redimidas". Sorte dela que Bento XVI não soube disso, pois o papa faz as freiras, o estilista e o convento deles "dançarem", mas em outro sentido, segundo noticia a BBC Brasil:

Papa fecha convento em que freira apresentou dança polêmica

O papa Bento 16 mandou fechar um famoso convento em Roma após uma série de polêmicas no local, de acordo com informações de jornais italianos.

O jornal La Stampa informou que o monastério da Basílica di Santa Croce in Gerusalemme (Basílica da Santa Cruz de Jerusalém) estaria sendo fechado devido a "irregularidades" litúrgicas, financeiras e morais.

Em um dos episódios mais polêmicos protagonizados no mosteiro, a freira Anna Nobili - uma ex-dançarina erótica que há alguns anos lidera um grupo de dança litúrgica - se apresentou no convento com outras freiras durante uma cerimônia religiosa.

Segundo os jornais, alguns monges cistercienses da igreja foram transferidos para outras congregações na Itália. O abade Simone Fioraso, um extravagante ex-estilista de Milão, já tinha sido transferido do mosteiro há dois anos.

O jornal Il Messaggero informou ainda que Fioraso tinha restaurado o convento, que estava muito danificado, e aberto um hotel no local, em que realizava concertos.

Ele também realizou uma maratona de leitura da Bíblia que foi transmitida pela televisão e constantemente atraía celebridades para visitar o mosteiro, em que promovia uma abordagem menos convencional da religião.

Investigação

O Vaticano teria expressado sua insatisfação com as notícias a respeito do mosteiro.

"Uma investigação descobriu provas de irregularidades litúrgicas e financeiras, além de (irregularidades de) estilo de vida, que provavelmente não estavam de acordo com o de um monge", teria dito ao jornal britânico Guardian o padre Ciro Benedettini, um porta-voz do Vaticano.

O inquérito foi feito pela Congregação dos Institutos de Vida Consagrada do Vaticano e seus resultados ainda não foram publicados, segundo o La Stampa.

A Basílica de Santa Croce é uma das mais antigas e famosas de Roma, e foi construída em volta de uma capela do século 4.

A igreja é um dos locais mais importantes de peregrinação na capital italiana e acredita-se que ela guarde relíquias sagradas.

A morte do "único negro brasileiro"

Artigo de Claudio Leal no Terra Magazine:

Morre Abdias do Nascimento, o "único negro brasileiro"

O único negro brasileiro, pois não. Abdias Nascimento surgia nas crônicas hiperbólicas de Nelson Rodrigues como um militante irredutível, capaz de esfregar "a cor na cara de todo o mundo", numa solitária consciência racial. "Não conte com o Brasil, não conte com o brasileiro", desaconselhou Nelson, ao vê-lo colher apoio para um movimento contra o apartheid na África do Sul, em 1968. "Somos não sei quantos milhões!", reagiu Abdias. Naquele tom de espírito de porco, mas comprometido com o incipiente movimento negro, o dramaturgo enunciou o óbvio ululante: "Abdias, só há um negro, que é você mesmo. Não milhões, você, Abdias, só você".

Abdias morreu nesta terça-feira (24/05), aos 97 anos, no Rio de Janeiro, sem jamais ter deixado de denunciar as perversões sociais da escravidão: "Há preconceito racial no Brasil", repetia até nas mais discretas oportunidades. Fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1944, ele ajudou a constranger o racismo nos palcos brasileiros, tirando a temática negra das coxias, acompanhado por artistas como Ruth de Souza, Santa Rosa e Milton Gonçalves. O TEN encenou Eugene O'Neill (Todos os Filhos de Deus Têm Asas), Lúcio Cardoso (O Filho Pródigo) e Joaquim Ribeiro (Aruanda), além de editar o jornal Quilombo, o braço editorial que aprofundava o debate teórico sobre o negro brasileiro, com colaborações de etnólogos do nível de Guerreiro Ramos, Arthur Ramos e Édison Carneiro.

Era um extraordinário provocador. O Concurso de Artes Plásticas, com o tema do "Cristo Negro", atraiu as promessas de inferno da Igreja Católica. Nelson Rodrigues inspirou-se no amigo para escrever a peça "Anjo Negro", mas frustrou-se seu velho desejo, não conseguiu levá-lo a interpretar um dos protagonistas. A fixação do escritor vingou em "Perdoa-me por me traíres", na qual Abdias interpreta o deputado Jubileu de Almeida. Este nome pomposo veio de uma brincadeira onomástica do psicanalista Hélio Pellegrino; para o "Homero do Subúrbio", "jubileu" estava mais para o nome de um deputado. Se quer saber, o jubiloso parlamentar só eriçava a sua juba quando uma mulher o chamava de "reserva moral da Nação!".

Abdias não dispensou atropelos em outras personalidades essenciais para a valorização das contribuições do negro à cultura brasileira; talvez por vaidades arranhadas ou radicalismos infundados. Às vésperas da 2ª Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (Ciad), realizada em 2006 na capital baiana, fui pautado pela brilhante repórter Cleidiana Ramos, editora do blog "Mundo Afro" do jornal A Tarde, para ouvi-lo sobre a homenagem que seria prestada a sua militância pioneira no Brasil.

Perto do fim da conversa, naquela altura em que entrevistado e entrevistador parecem exaustos do confessionário, saiu-me, por algum diabo, o nome de Pierre Verger (1902-1996), o fotógrafo e etnólogo francês radicado em Salvador, autor do clássico estudo "Fluxo e Refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos". Verger, Jorge Amado, Carybé e Dorival Caymmi integram o conselho de deuses da Roma Negra. "Era um canalha!", revidou Abdias, do outro lado da linha, como um personagem rodrigueano vocacional. "Era um canalha. Eu via como os negros se curvavam diante de Verger. Se os negros brasileiros tivessem vergonha na cara, escarravam na cara dele!", completou, à beira de cumprir a sugestão, num imaginário torneio de cuspe à distância.

O "único negro" exerceu por duas vezes o mandato de senador, sob a liderança política de Leonel Brizola, no PDT. Por sobreviver ao século 20, Abdias alcançou conquistas impensáveis na década de 40, ainda que nunca tenha admitido a existência da tão surrada democracia racial. Mas poderia comemorar as cotas para negros nas universidades, um teatro menos eurocêntrico, o triunfo de jogadores como Pelé e Didi, a criminalização do racismo, a liberdade de culto do Candomblé, a liderança de Nelson Mandela na África do Sul e a recente vitória de Barack Obama nos Estados Unidos.

"Acompanhei a luta dele (Obama), sofri com o que ele deve ter sofrido nessa campanha. Não foi uma coisa fácil. E o desassombro de ver um negro liderar no mundo. No Brasil, que tem essa fama toda de democrático, me lembro como fui esmagado quando fui senador", remoeu Abdias, em entrevista a Terra Magazine. Em março de 2011, numa cadeira de rodas e com sua bata africana, ele compareceu ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, ansioso pelo primeiro discurso de Obama aos brasileiros. A ansiedade de quem ia à pré-estreia de uma peça sempre adiada pelo Teatro Experimental do Negro - e pelo Brasil.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Seriam "atos proféticos" os cadeados e a tinta rosa?

Duas cidades, uma do Estado do Paraná e outra de São Paulo, separadas por cerca de 420 km de distância, estão surpresas e um tanto quanto assustadas com ocorrências bizarras que se tornaram rotineiras, lamentavelmente. Paredes e muros de casas e estabelecimentos comerciais em Cornélio Procópio (PR) têm amanhecido com estranhas marcas de tinta cor-de-rosa, conforme matéria veiculada no Jornal Hoje da Rede Globo de 26/05/11 (veja o vídeo no site do noticiário), cujo trecho ora se destaca:
Agora o que está na boca do povo é um suposto código do crime. Ladrões teriam marcado com tinta as casas que pretendem roubar. A empresa de Edson sofreu uma tentativa de assalto logo depois de receber a marca na parede. “Eu tenho certeza que uma coisa tem a ver a outra”, declara o comerciante.

Por sua vez, Cravinhos (SP) tem enfrentado outro tipo de problema, também bastante esquisito. Quando as pessoas saem para trabalhar de manhã, elas se deparam com uma situação inusitada: os seus portões estão trancados com cadeado. O detalhe sórdido é que o cadeado não é deles, razão pela que obviamente não possuem a chave e têm que ficar trancados em casa enquanto aguardam a visita do serralheiro ou do chaveiro que vêm para socorrê-los. O UOL Notícias informa, em matéria também datada do dia 26/05/11, o seguinte:

Moradores da região central de Cravinhos (290 km de São Paulo) estão precisando da ajuda de serralheiros para sair ou entrar em suas casas e locais de trabalho. Os portões dos imóveis vêm sendo trancados por cadeados, por desconhecidos, isolando os donos dentro de casa ou fora dela.

Para abrir passagem, as vítimas precisam arrombar as fechaduras. A polícia não tem pistas dos autores da “brincadeira”, mas classificou o crime de perturbação do trabalho ou sossego alheio, cuja pena é de três meses de prisão. A suspeita é de que os cadeados usados pelos suspeitos tenham sido retirados dos portões de outros imóveis na cidade.

É muito provável que tudo não passe de uma brincadeira de mau gosto de pândegos espirituosos, mas talvez fosse o caso de se investigar outra possibilidade infelizmente não tão remota nos dias atuais. Considerando o número de indivíduos que se dizem "evangélicos" e saem pelas cidades urinando em postes e terrenos baldios para "marcar território espiritual" (além de outras práticas exóticas supostamente "cristãs" como enterrar coisas e tocar shofar), tudo isso na onda de "atos proféticos" que assola muitas igrejas, talvez algum "pastor" iluminado tenha tido a brilhante ideia de marcar as casas com tinta rósea para lembrar o sangue do cordeiro da Páscoa que sinalizava os umbrais das moradias dos judeus escravizados no Egito, evitando que o anjo da morte os visitasse e levasse seus primogênitos (Êxodo 12), ou ainda tenha apelado aos cadeados para promover um espetáculo fanfarrão de "tá amarrado", "tomo posse" ou coisa parecida, já que o que não falta é ritual, simpatia, jargão e mantra para tantas loucuras que se instalaram em muitas igrejas ditas "evangélicas". Não dá pra duvidar de mais nada...

Idosa chutada na Universal ganha indenização de R$ 51 mil

Essa é uma daquelas notícias inacreditáveis que mostram a que ponto chegou o mau uso do nome "evangélico" no Brasil. Ao invés de reconhecer o erro e pagar uma indenização justa à idosa antes do problema chegar aos tribunais (1 Coríntios 6:1-8)*, a igreja universal ainda queria reduzir o valor a ser pago em razão da idade avançada da vítima, atitude que foi ironizada na sentença. Interessante ainda é o fato do desembargador ter condenado a igreja universal por litigância de má-fé, conforme a notícia abaixo, do site Endividado:


Idosa que levou chute em templo evangélico receberá R$ 51 mil de indenização


A Igreja Universal do Reino de Deus de Rio das Ostras bem que tentou diminuir a indenização de R$ 51 mil a que foi condenada a pagar a uma senhora que levou um chute durante um culto. Edilma de Oliveira, que à época do fato tinha 71 anos de idade, foi lançada, por um auxiliar do pastor, a uma distância de três metros, sofrendo fratura na perna com lesões irreversíveis. A 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, porém, negou provimento ao recurso e manteve a sentença.

Nos autos, consta que Edilma não recebeu qualquer socorro após o incidente. Ela foi submetida a duas cirurgias para colocação de parafusos de platina. Em consequência, a idosa passou a necessitar de consultas médicas periódicas e também de tratamento fisioterápico. Além disso, ficou impossibilitada de fazer seus afazeres domésticos e os doces que vendia para ajudar em seu sustento.

Em apelação, a Igreja requereu nulidade de parte da sentença de 1º grau quanto à condenação dos danos emergentes, dos alimentos indenizativos e contra o período fixado para os alimentos, porque a autora não teria comprovado despesas com o evento e renda mensal. A ré também tentou convencer a Justiça de que o fato de a autora ter idade avançada e alguns problemas de saúde seria motivo para diminuir a indenização. “Como se a dor moral do idoso valesse menos”, reagiu o dembargador relator da 15ª Câmara Cível, Celso Ferreira Filho.

Na decisão, o relator afirmou que a Igreja foi contraditória ao negar o nexo de causalidade, embora tenha reconhecido que a dinâmica do evento danoso se deu no interior de suas dependências, “lugar que por sabença comum, se destina a práticas espirituais que deixam muitas vezes os fiéis fora de si e, portanto, com possíveis comportamentos de violência, movidos pela delirante força para neutralizar atuações pretensamente demoníacas”. Segundo o desembargador, “não foi fruto do acaso nem fato imprevisível que a autora tenha entrado sã nas dependências da ré e de lá saído incapacitada em razão de lesões”.

O desembargador Celso Ferreira Filho considerou ardilosa a defesa da Igreja ao nominar a “ação de indenização de danos morais”. Segundo ele, tal método visava à alegação futura de decisão “extra-petita”, com eventual condenação em danos materiais. “Embora a ré procure preservar a fé nos indivíduos, paradoxalmente, atua aqui com má-fé, fingindo não ter lido a inicial, onde está explicitado com todas as letras o pleito de dano material (lucros cessantes e danos emergentes)”. O recurso foi desacolhido.

Na decisão, o desembargador, ao manter a sentença de 1º grau, pergunta: “Será que a ré não tem a percepção para dimensionar a dor sofrida por uma idosa que entrou íntegra em suas dependências apenas para orar e, ao sair, estava multilesionada, tendo que percorrer uma verdadeira “via crucis”, por corredores de hospitais e através da interminável estrada da terapia medicamentosa?”.

Processo nº 0002127-23.2005.8.19.0068

Fonte: TJRJ - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - 25/05/2011




(*)
1Co 6:1 Ousa algum de vós, tendo uma queixa contra outro, ir a juízo perante os injustos, e não perante os santos?
1Co 6:2 Ou não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo há de ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas?
1Co 6:3 Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?
1Co 6:4 Então, se tiverdes negócios em juízo, pertencentes a esta vida, constituís como juízes deles os que são de menos estima na igreja?
1Co 6:5 Para vos envergonhar o digo. Será que não há entre vós sequer um sábio, que possa julgar entre seus irmãos?
1Co 6:6 Mas vai um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos?
1Co 6:7 Na verdade já é uma completa derrota para vós o terdes demandadas uns contra os outros. Por que não sofreis antes a injustiça? Por que não sofreis antes a fraude?
1Co 6:8 Mas vós mesmos é que fazeis injustiça e defraudais; e isto a irmãos.

Soluções masculinas

Um homem encontra solução para (quase) tudo na vida, segundo esta propaganda da Wrangler, mesmo que às vezes seja ecologicamente correto e - ao mesmo tempo - pareça nojento:

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O garoto cristão que Lady Gaga não "converteu"

Ontem à noite terminou a 10ª temporada do programa de maior audiência da televisão norteamericana nos últimos tempos, o reality show American Idol (cuja versão brasileira é o programa "Ídolos" da Record), com a vitória do jovem cantor Scott McCreery, um garoto de 17 anos de idade que tem um vozeirão no melhor estilo country e sabe interpretar como poucos. Os últimos programas da série tiveram Lady Gaga como uma espécie de "orientadora musical" (ainda que ultimamente ela tenha preferido o papel de "mentora espiritual"), e a estrela pop deixou o cristão (batista) convicto Scott McCreery visivelmente constrangido quando lhe disse que ele tinha que imaginar o microfone como se fosse sua namorada enquanto estivesse fazendo sexo com a amada. Pelo jeito, foi bom descartar o conselho de Lady Gaga para vencer a competição. Ninguém pode negar que personalidade ele tem. Confira a notícia do The Christian Post em português, datada de 12/05/11, e veja o vídeo abaixo em que ele interpreta "Where Were You (When The World Stopped Turning)", de Alan Jackson:

Scotty McCreery e Lady Gaga de "Parceiros em um Momento Desconfortável"

Por Lee Warren
Contribuinte do The Christian Post

O que você ganha quando você coloca junto Lady Gaga com um jovem, cantor country, do Sul e temente a Deus e fala para eles trabalharem juntos?

Os fãs do American Idol descobriram isso na noite passada.

Gaga orientou o restante dos quatro concorrentes para as suas segundas opções de canção da noite - as canções que vieram de uma lista de hits do cancioneiro Leiber & Stoller. A dupla escreveu canções para artistas como Elvis, Ben E. King e The Searchers.

Scotty McCreery escolheu "Young Blood," do The Coasters.

Enquanto Gaga começou a oferecer aconselhamentos para McCreery, que tem 17 anos, ele sorriu nervosamente e baixou o olhar para o chão, envergonhado por seus comentários.

"Aparentemente, ele é um pouco mais conservador do que eu imaginava," disse Gaga para uma câmera depois.

"Eu apenas senti que eu precisava beijar a minha cruz [colar]," disse McCreery, e completou: “Senhor, isso não é obra minha."

Durante a primeira rodada de apresentações, os participantes deveriam cantar uma música que os inspirasse. McCreery escolheu "Where Were You (Onde Estava Você Quando o Mundo Parou de girar)," de Alan Jackson sobre os ataques de 11 de Setembro. O refrão da canção inclui as palavras: "Mas eu conheço Jesus e eu falo com Deus / E eu me lembro disso quando eu era jovem / Fé, esperança e amor são coisas boas que Ele nos deu / E maior é o amor."

Aqueles que não são apenas palavras em uma canção para McCreery.

McCreery começou a cantar publicamente na Primeira Igreja Batista em sua cidade natal de Garner, NC, e até que ele entrou na competição "American Idol," ele ainda estava lá bem como no jogo de beisebol para o time da escola e trabalhando como empacotador no Lowes Foods.

Ele tem sido visto usando uma pulseira "I am Second (Eu sou Segundo)" durante suas apresentações para promover o movimento que é destinado a inspirar as pessoas a viver para Deus e para os outros. E na terça-feira, um fã tuitou uma mensagem para McCreery dizendo-lhe que todos em um grupo de jovens em Newport, Arkansas, estariam assistindo e votando para ele, recebendo essa resposta dele: "Uau, eu adoro isso! Tenho saudades daqueles dias em grupo de jovens nas quarta-feiras à noite! Obrigado pelo apoio e fale para todos da juventude que eu disse Hey!"

Outro concorrente do American Idol será eliminado quinta-feira, restando apenas três para concorrer ao prêmio.




cantando "Letters from Home", de John Michael Montgomery



cantando "Always on my Mind", de Elvis Presley

Religiosos nominais têm cérebro maior que evangélicos e católicos nos EUA

Essa é mais uma daquelas pesquisas que vai para a gaveta das estatísticas esquisitas que servem para justificar qualquer coisa. Foi realizada nos Estados Unidos e a terminologia tem em conta as peculiaridades da divisão religiosa daquele país, daí a divisão entre "protestantes" (aqueles que professam uma religião originária da Reforma, mas apenas nominalmente, sem serem realmente convertidos), "evangélicos" (born-again, ou seja, "nascidos de novo", que alegam ter tido uma experiência genuína de conversão) e católicos. O estudo, conduzido pela Duke University Medical Center (de Durham, North Carolina) e divulgado pelo U.S. News & World Report, sugere que os protestantes nominais têm cérebros maiores que os evangélicos e católicos, que apresentam uma atrofia no hipocampo, região do cérebro de vital importância para o aprendizado e a memória, e cujo encolhimento é associado também a depressão, demência e mal de Alzheimer.

A pesquisa consistiu na avaliação de 268 pessoas com idade de 58 a 84 anos, que tiveram investigadas as suas filiações denominacionais, práticas espirituais e experiências religiosas de conversão, e que durante o período de 2 a 8 anos, tiveram o hipocampo monitorado por scanners de última geração. Os pesquisadores apenas levantaram algumas hipóteses para a diferença verificada entre os cérebros analisados, entre as quais a de que os evangélicos e católicos norteamericanos seriam mais, digamos, "estressados", por pertencerem a minorias inseridas na população dos EUA, majoritariamente constituída por pessoas que apenas dizem pertencer ou frequentar uma determinada igreja de origem protestante, mas sem ter qualquer experiência religiosa de conversão. O único problema com esta teoria é que evangélicos e católicos estão muito longe de ser exatamente uma minoria minúscula (com o perdão da redundância) e oprimida nos EUA. Outra hipótese aventada é a de que, no caso de pessoas "nascidas de novo", elas teriam uma espécie de "stress traumático" por terem que mudar súbita e radicalmente hábitos e conceitos de vida que haviam cultivado por décadas a fio, o que explicaria a atrofia constatada em seus cérebros. Duro mesmo vai ser justificar aos contribuintes norteamericanos o fato dessa super útil pesquisa ter sido financiada com verbas públicas do National Institutes of Health ("Institutos Nacionais de Saúde").

Quando o jejum vira moda

Já que ser "evangélico" virou moda no Brasil, não é de se admirar que práticas religiosas também tenham se tornado fashion, conforme a matéria abaixo da revista Época:

Jejuar está na moda, mas faz bem?

Condenado pelos médicos e nutricionistas, o jejum tem se tornado popular para limpar o corpo e acalmar a mente

LUÍZA KARAM

A apresentadora Glória Maria diz que se desespera durante seus períodos de jejum. Três vezes ao ano, ela reserva dez dias para ingerir apenas pílulas com nutrientes, xaropes naturais e chás. Comida mesmo, aquela de encher os olhos, é rigorosamente proibida. Mas o desespero relatado por ela não vem da privação. “Eu me sinto tão bem durante o jejum que fico angustiada quando está para acabar”, diz. Glória não está sozinha em sua opção pela fome autoimposta. Como ela, um grupo cada vez maior de pessoas, no mundo todo, está descobrindo os prazeres e benefícios de fechar a boca durante alguns dias. É o jejum laico. Em vez de almejar o êxtase espiritual ou o perdão divino, ele promete uma espécie de pureza que tem afinidade com o universo místico, mas se expressa na linguagem das dietas e dos processos metabólicos. “O jejum funciona como uma desintoxicação: limpa meu organismo de impurezas para me manter saudável. Tenho mais vontade de trabalhar e meu humor melhora”, diz Glória.

Condenado por médicos e nutricionistas, o jejum está ganhando respaldo até de estudos científicos. As pesquisas sugerem que jejuar diminui os riscos de doenças cardiovasculares, como diabetes e hipertensão. E pode até prolongar a vida. Para os praticantes, a abstinência alimentar é também um grito de liberdade. Eles deixam de viver em função do relógio (afinal, as refeições acabam ditando o ritmo do dia). Prestam mais atenção nos pensamentos do que no estômago. Voltam-se para si. O ator Licurgo Spinola, de 44 anos, faz parte desse grupo. Todo mês, ele jejua por três dias. Só toma água, quase 5 litros por dia. “Desvencilhar-se de situações mundanas, como o horário das refeições, é uma lavagem espiritual”, diz Spinola, que aderiu à prática há três anos, depois de ler a biografia de Mahatma Gandhi. Spinola diz ter descoberto que o líder indiano que fez do jejum uma arma política também usava a prática para curar gripes e resfriados.

Velho como a própria fome, o jejum faz parte do cotidiano de muitas religiões. Os católicos não comem carne vermelha na Sexta-Feira Santa. Os judeus se abstêm de comer seis dias por ano. Os muçulmanos jejuam da alvorada ao anoitecer durante todo o mês do ramadã, o nono mês do calendário islâmico. É uma forma de intensificar a reflexão e a concentração nas orações e de se sacrificar pelo perdão dos pecados. É também uma maneira tradicional de demonstrar devoção. Os adeptos da nova vertente de jejum, porém, subverteram a prática histórica de oferenda e sacrifício, sem eliminar seu caráter de purificação. Apenas a divindade se tornou interior. “Em meio ao cotidiano caótico, mostrar que somos capazes de controlar nossa vida em pelo menos um aspecto é a maneira de criar uma ilha de segurança”, diz o psicanalista Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo.

Ter poder sobre uma necessidade imposta pela natureza é a primeira recompensa dos jejuadores. Ele se manifesta já nas primeiras horas de jejum, quando os praticantes descobrem a diferença entre fome e vontade de comer (e quão inebriante é o cheirinho de qualquer prato de comida). “Percebo que não preciso comer naquele momento, que é só gula”, diz Spinola. O corpo manifesta fome duas ou três horas após a última refeição. Nesse momento, já foi usado todo o estoque de glicose, o combustível básico das células, obtido a partir da quebra de carboidratos. Como o organismo precisa de energia, lança mão de reservas: moléculas complexas guardadas no fígado, o glicogênio. Quando até ele acaba, a opção são as gorduras. O processo de queima de gordura gera substâncias chamadas corpos cetônicos. Eles ajudam a inibir a sensação de fome, mas produzem aquele hálito característico de estômago vazio.

Os praticantes juram que essa é a única desvantagem. “Eu fico menos ansiosa”, diz a professora de ioga Mariana Maya, de 43 anos. Ela diz que começou a fazer jejum porque se sentia irritada sem motivo. Resolveu passar por um sacrifício. E descobriu que ele lhe fazia bem. “Sinto uma paz que nunca havia experimentado. A mente fica mais leve”, diz Mariana, que jejua desde 2006, pelo menos duas vezes por ano. São três dias à base de água. “O jejum me dá equilíbrio físico e mental.”

Os benefícios da prática já são usados com fins medicinais. Na Alemanha, há pelo menos 11 clínicas que usam o jejum para tratar males que vão de doenças de pele a estresse. Uma das mais famosas fica na cidade de Bad Pyrmont e é mantida pela família do médico Otto Buchinger. Ele teria se curado de reumatismo em 1919 depois de manter uma dieta exclusivamente de sopas e tornou-se o guru do “jejum terapêutico”. “Enquanto jejua, o paciente melhora sua saúde, mas ele terá negligenciado a coisa mais importante se a fome de alimento espiritual, que se manifesta durante o jejum, não for satisfeita”, ele escreveu. Hoje, quem cuida da clínica, que recebe 1.500 pacientes por ano, é Andreas, neto de Buchinger. “O jejum aprimora o funcionamento do corpo”, diz ele. O tratamento completo dura 21 dias (para quem sofre de reumatismo são 28 dias). Quando o paciente chega, são feitos exames de sangue e eletrocardiograma. Depois, médicos preparam um cardápio personalizado. O primeiro dia costuma ser dos vegetais. No dia seguinte, é a vez das frutas, seguidas pelo dia do laxante. O jejum começa depois de os intestinos ficarem vazios. Daí para a frente, só se podem ingerir água, caldo de vegetais, suco e chá.

A ciência já se interessou pelas supostas propriedades curativas e purificadoras do jejum (leia o quadro abaixo). O neurocientista americano Mark Mattson, coordenador do Laboratório de Neurociências do Instituto Nacional de Envelhecimento, é uma das principais referências nessa área. Ele quer desvendar as razões de um fato conhecido há décadas pela ciência. Uma dieta com poucas calorias ou com jejuns periódicos (em que o paciente toma apenas água) parece aumentar em até 40% a duração da vida. Para Mattson, não há nada de estranho nisso. “O genoma humano adquiriu a capacidade de sobreviver a semanas sem comida porque nossos ancestrais primatas viviam em locais onde o alimento era escasso”, diz Mattson. “Nós nos damos ao luxo de fazer três refeições ao dia há menos de 10 mil anos, algo recente em termos evolutivos.”

Em um de seus estudos mais famosos, publicado em 2003 no jornal da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, Mattson e sua equipe mostraram que ratos de laboratório submetidos a períodos regulares de jejum (comiam 10% menos do que os outros) eram mais saudáveis e se recuperavam melhor de danos no cérebro. Mattson acredita que o jejum tem um efeito protetor sobre as células. Primeiro, porque diminuir a ingestão de alimentos reduz a produção de moléculas residuais que podem se ligar ao DNA e causar erros de funcionamento (doenças). Outra hipótese para explicar o efeito protetor é a célula entrar em modo de emergência na falta de alimento. Ela se prepararia para situações adversas produzindo proteínas. “Essa defesa seria ativada em células do cérebro, do coração, dos músculos e do fígado”, diz ele.

Um grupo de pesquisadores do Instituto do Coração do Centro Médico Intermountain, em Utah, nos Estados Unidos, já teria constatado o reflexo desse efeito protetor sobre seres humanos. Em abril, eles apresentaram um estudo que sugere que jejuar pelo menos uma vez por mês diminui em 58% os riscos de doença nas artérias coronárias, que irrigam o coração. Segundo o cardiologista Benjamin D. Horne, responsável pelo levantamento, os efeitos são resultado da diminuição dos níveis de gordura no sangue. Ele diz acreditar que um dia o jejum periódico ainda será recomendado como tratamento para prevenir doenças coronarianas e o diabetes. Embora essas descobertas pareçam promissoras, ainda é cedo para partilhar o entusiasmo do pesquisador. A pesquisa foi feita com 200 voluntários, entre os quais 180 eram mórmons. Alguns dos preceitos da religião – abster-se de álcool e tabaco – poderiam ser os verdadeiros responsáveis pelos bons índices de saúde.

É necessário cautela com os novos estudos porque muitos outros, anteriores, já sugeriram que o jejum pode trazer riscos para a saúde, como hipoglicemia. Os níveis de glicose ficam tão baixos que ocorre tontura, dor de cabeça, desmaios e convulsões. Na falta de alimento, o organismo pode queimar músculos em busca de energia, o que ocasiona perdas musculares. “Se o jejum durar mais de 15 dias, pode causar queda de pressão e até alterar o ritmo cardíaco”, afirma o cardiologista Carlos Daniel Magnoni, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Interromper o jejum também é delicado. Ao deparar com uma quantidade de açúcar no sangue que não encontrava há tempo, o organismo pode liberar muita insulina, desencadeando uma crise de hipoglicemia. Além disso, a realimentação provoca grave queda na quantidade de cálcio e fósforo do sangue. “Isso pode levar até à morte”, diz o nutrólogo Celso Cukier, presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Clínica.

No Brasil, não há entidade médica que recomende jejum como dieta ou tratamento de doenças. “A ideia de purificação do organismo pela fome é errada”, diz Cukier. “Não precisamos de medidas drásticas porque já eliminamos os excessos no dia a dia.” Apesar das pesquisas que tentam explicar como o organismo reage à privação de alimentos – e como isso pode ser bom para a saúde –, ainda vai demorar anos para que a ciência chegue a alguma espécie de consenso. Por ora, prestar atenção às quantidades e à qualidade do que ingerimos parece ser a melhor maneira de manter o organismo em equilíbrio.


quarta-feira, 25 de maio de 2011

10 coisas que você não deve fazer na igreja

Tente desconsiderar o lado profano do humor do vídeo abaixo, e veja se você não se enquadra em nenhuma das situações que ele mostra (mesmo que você não fale alemão):


terça-feira, 24 de maio de 2011

Mais duas vozes caladas na floresta


A terça-feira amanheceu triste e sangrenta no Pará. José Cláudio Ribeiro e sua esposa, Maria do Espírito Santo da Silva foram assassinados numa emboscada em Nova Ipixuna, município que fica perto de Marabá. Ambos eram líderes na defesa da floresta e do extrativismo responsável e sustentável, valores que estão cada dia mais ameaçados de extinção em função da voracidade das madeireiras e do avanço dos latifúndios. A saga de Chico Mendes e irmã Dorothy Stang (e tantos outros menos conhecidos) continua banhando de sangue as terras devastadas da Amazônia. A triste coincidência é que a morte dos dois ambientalistas acontece num dia em que está marcado mais um embate da votação do projeto do novo Código Florestal no Congresso Nacional, entre os movimentos ecológicos e os ruralistas estranhamente comandados pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). José Cláudio Ribeiro já vivia com uma bala na cabeça e era constantemente ameaçado de morte, mas o Estado brasileiro foi incapaz de protegê-lo, assim como é incompetente para proteger as florestas. O desmatamento venceu de novo, infelizmente. Veja abaixo o vídeo em que ele conta um pouco de sua experiência na conferência TEDxAmazônia, em novembro de 2010:

Quando a tentação é ser bom


Em seu livro "Eichmann em Jerusalém" (Companhia das Letras, 1999), a filósofa alemã de origem judia Hannah Arendt, com a perspicácia que lhe é peculiar (e que lhe rendeu muitas polêmicas também), consegue captar as nuances que (de)formaram o caráter da população alemã no período do Terceiro Reich, e resume de maneira brilhante a situação do "homem médio" nazista diante da possibilidade de cometer um ato que ele sabia ser criminoso (de acordo com a lei ou o direito natural ou sua consciência) e pecaminoso (de acordo com a religião que professava):

E assim como a lei de países civilizados pressupõe que a voz da consciência de todo mundo dita "Não matarás", mesmo que o desejo e os pendores do homem natural sejam às vezes assassinos, assim a lei da terra de Hitler ditava à consciência de todos: "Matarás", embora os organizadores dos massacres soubessem muito bem que o assassinato era contra os desejos e os pendores normais da maioria das pessoas. No Terceiro Reich, o Mal perdera a qualidade pela qual a maior parte das pessoas o reconhecem - a qualidade da tentação. Muitos alemães e muitos nazistas, provavelmente a esmagadora maioria deles, deve ter sido tentada a não matar, a não roubar, a não deixar seus vizinhos partirem para a destruição (pois eles sabiam que os judeus estavam sendo transportados para a destruição, é claro, embora muitos possam não ter sabido dos detalhes terríveis), e a não se tornarem cúmplices de todos esses crimes tirando proveito deles. Mas Deus sabe como eles tinham aprendido a resistir à tentação.
(p. 167)

Não é à toa que o subtítulo do livro de Arendt é "um relato sobre a banalidade do mal". 

Retrata uma inversão de valores levada aos extremos mais absolutos entre bem e mal, bondade e maldade, dever e consciência, até chegar ao ponto em que um se converte no outro (e o outro se converte no um) de maneira que o único sentimento válido restante é aquele amalgamado pela ideologia do totalitarismo, personificada na suprema vontade do Führer, que se confunde com a vontade de Deus e a vontade do próprio povo, sobrepondo-se a elas e subvertendo também o ditado popular vox populi vox dei ("a voz do povo é a voz de Deus"), que - curiosamente - é a negação da Bíblia desde que Moisés deixou claro que "não seguirás a multidão para fazeres o mal, nem numa demanda darás testemunho, acompanhando a maioria, para perverteres a justiça" (Êxodo 23:2). 

Um dos meios utilizados por Hitler foi aproveitar e exacerbar o preconceito antissemita que já estava introjetado em grande parte da população alemã, e onde existe o preconceito já está lá instalada, também, a predisposição para concretizá-lo e levá-lo às últimas consequências, lamentavelmente. 

Mesmo assim, entretanto, o resultado é que a tentação muda de figura, não significando mais fazer o que é moralmente errado ou legalmente proibido, mas (in)justamente o contrário. 

Ainda que houvesse farta legislação antijudaica (as famigeradas leis de Nuremberg de 1935), mesmo que a consciência o acusasse, o nazista se sentia compelido a fazer o que era mau e errado. 

Na sua deturpada visão de mundo, sentir que deveria fazer o que era bom e correto não passava de uma tentação a ser evitada a todo custo, e o resultado disso, quando não era traduzido em atos monstruosos de aniquilação dos diferentes, foi uma gigantesca omissão coletiva que ajudou a matar milhões de pessoas. 

É verdade que houve alguns poucos alemães que mantiveram a lucidez de identificar onde estava o perigo (e boa parte deles morreu lutando contra as forças das trevas), mas esta definição de Hannah Arendt sobre a, digamos, "inversão da tentação" não pode jamais ser esquecida, não só por razões religiosas, mas sobretudo para manter vivo o aprendizado (e o exercício) da democracia e da cidadania contra todos aqueles que querem solapá-las.


domingo, 22 de maio de 2011

Teologia em Oxford pode deixar de ser só cristã

Para o bem ou para o mal, a Faculdade de Teologia da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, tem sido uma referência no estudo da Bíblia ao longo dos últimos 800 anos, rivalizando neste (quase milenar) período talvez apenas com sua similar em Cambridge, como manda a tradição competitiva entre as duas mais importantes Universidades britânicas. 

Ainda recentemente foi publicada (e divulgada aqui no blog) uma pesquisa de Oxford sobre o fato da fé ser algo inerente à espécie humana. 

Agora a Diretoria da instituição está considerando seriamente a proposta de mudar o nome da faculdade de "Teologia" para "Estudos Religiosos", tendo em vista o crescente interesse de seguidores de outras religiões, como o islamismo, budismo, hinduísmo e judaísmo, em terem diplomas que contem com o selo e o prestígio de Oxford. 

Desta forma, os escritos sagrados dessas religiões (com exceção daqueles do judaísmo incorporados ao cristianismo) deixariam de ser estudados apenas aleatória e comparativamente com a Bíblia para se transformarem em objetos de pesquisa do mesmo escalão. 

A notícia foi dada pelo jornal inglês The Times (disponível apenas para quem tem assinatura digital), e mostra a contínua perda de relevância do cristianismo em terras europeias, seja em função do desinteresse dos cristãos nominais do continente, seja pela inevitável mescla de culturas e religiões provocada pelo fluxo migratório, sobretudo no caso das ex-colônias asiáticas e africanas do extinto Império Britânico (em relação ao Reino Unido) e das antigas potências colonialistas europeias. 

De qualquer maneira, os mais pessimistas diriam que é menos ruim virar faculdade de "Estudos Religiosos" do que de "Ateologia"...

sábado, 21 de maio de 2011

O pastor é pop

Confesso que fiquei sem entender o que é "moderno", "radical" e "evangélico" na matéria da revista ISTOÉ desta semana com o pastor Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus do Brás, em São Paulo (SP). Confira:


Um pastor moderno entre os radicais

Um dos líderes da Assembleia de Deus, a maior e uma das mais conservadoras igrejas evangélicas do Brasil, Samuel Ferreira rompe tradições, libera costumes e atrai fiéis para o seu templo

Rodrigo Cardoso

O evangélico desavisado que entrar no número 560 da ave­nida Celso Garcia, no bairro paulistano do Brás, poderá achar que não está entrando em um culto da Assembleia de Deus. Maior denominação pentecostal do País – estima-se que tenha 15 milhões de adeptos, cerca de metade dos protestantes brasileiros –, historicamente ela foi caracterizada pela postura austera, pelo comedimento na conduta e, principalmente, pelas vestimentas discretas de seus membros. Por conta dessa última particularidade, tornou-se folclórica por forçar seus fiéis a celebrarem sempre, no caso dos homens, de terno e gravata e, entre elas, de saia comprida, camisa fechada até o punho e cabelos longos que deveriam passar longe de tesouras e tinturas. Era a igreja do “não pode”. Não podia, só para citar algumas interdições extratemplo, ver tevê, praticar esporte e cultuar ritmos musicais brasileiros. A justificativa era ao mesmo tempo simples e definitiva: eram coisas do capeta.

No templo do Brás, porém, às 19h30 do domingo 15, um grupo de cerca de vinte fiéis fazia coreografias, ao lado do púlpito, ao som de uma batida funkeada. Seus componentes – mulheres maquiadas e com cabelos curtos tingidos, calça jeans justa e joias combinando com o salto alto; homens usando camiseta e exibindo corte de cabelo black power – outrora sofreriam sanções, como uma expulsão, por conta de tais “ousadias”. Mas ali eram ovacionados por uma plateia formada por gente vestida de forma parecida, bem informal. Palmas, também proibidas nas celebrações tradicionais, eram requisitadas pelo pastor Samuel de Castro Ferreira, líder do templo e um dos responsáveis por essa mudança de mentalidade na estrutura da Assembleia de Deus, denominação nascida em Belém, no Pará, que irá festejar seu centenário no mês que vem. “Muitos chamam de revolução, mas o que eu faço é uma pregação de um evangelho puro, sem acessórios pesados”, afirma ele, 43 anos, casado há vinte com a pastora Keila, 39, e pai de Manoel, 18, e Marinna, 14. “A maior igreja evangélica do País está vivendo um redescobrimento.”

Sentado em uma cadeira logo ao lado do coral, Ferreira, que assistiu à televisão pela primeira vez na casa do vizinho, aos 7 anos, escondido do pai, Manoel Ferreira, pastor assembleiano, desliza o dedo indicador em um iPad segunda geração enquanto o culto se desenrola. Acessa a sua recém criada página no Twitter por meio da qual, em apenas um mês, amealhou mais de 110 mil seguidores. Quando se levanta para pregar a palavra, deixa visível o corte alinhado de seu terno e a gravata que combina com o conjunto social. Não que o pastor se furte em pregar de jeans, tênis e camisa esporte – tem predileção por peças da Hugo Boss –, como faz em encontros de jovens. “Samuel representa a Assembleia de Deus moderna, com cara de (Igreja) Renascer (em Cristo)”, opina o doutorando em ciências da religião Gedeon Alencar, autor de “Assembleias de Deus – Origem, Implantação e Militância” (1911-1946), editora Arte Editorial. “Os mais antigos, porém, acham o estilo dele abominável.”

Natural de Garça, interior de São Paulo, formado em direito e com uma faculdade de psicologia incompleta, Ferreira é vice-presidente da Convenção de Madureira, que é comandada por seu pai há 25 anos e da qual fazem parte 25 mil templos no Brasil, entre eles o do Brás. Os assembleianos não são uma comunidade unificada em torno de um líder. Há, ainda, os que seguem a Convenção Geral, considerada o conglomerado mais poderoso, e o grupo formado por igrejas autônomas. Ferreira assumiu o templo da região central da capital paulista há cinco anos e passou a romper com as tradições. Ao mesmo tempo, encarou uma cirurgia de redução de estômago para perder parte dos 144 quilos. “Usar calça comprida é um pecado absurdo que recaía sobre as irmãs. Não agride a Deus, então liberei”, diz o pastor, 81 quilos, que até hoje não sabe nadar e andar de bicicleta porque, em nome da crença religiosa, foi proibido de praticar na infância e na adolescência.

Sua Assembleia do “pode” tem agradado aos fiéis. “Meu pai não permitia que eu pintasse as unhas, raspasse os pelos ou cortasse o cabelo”, conta a dona de casa Jussara da Silva, 49 anos. “Furei as orelhas só depois dos 40 anos. Faz pouco tempo, também, que faço luzes”, afirma Raquel Monteiro Pedro, 47 anos, gerente administrativa. Devidamente maquiadas, as duas desfilavam seus cabelos curtos e tingidos adornados por joias pelo salão do Brás, cuja arquitetura, mais parecida com a de um anfiteatro, também se distingue das igrejas mais conservadoras.

A relativização dos costumes da Assembleia de Deus se dá em uma época em que não é mais possível dizer aos fiéis que Deus não quer que eles tenham vaidade. A denominação trabalha para atender a novas demandas da burguesia assembleiana, que, se não faz parte da classe média, está muito perto dela, é urbana e frequenta universidades. É esse filão que está sendo disputado. Uma outra igreja paulista já promoveu show no Playcenter. No Rio de Janeiro, uma Assembleia de Deus organiza o que chama de Festa Jesuína, em alusão à Festa Junina. Segundo o estudioso Alencar, as antigas proibições davam sentido ao substrato de pobreza do qual faziam parte a grande maioria dos membros da Assembleia de Deus. “Era confortável para o fiel que não tinha condição de comprar uma televisão dizer que ela é coisa do diabo. Assim, ele vai satanizando o que não tem acesso.”

Importante figura no mundo assembleiano, o pastor José Wellington Bezerra da Costa, 76 anos, presidente da Convenção Geral, não é adepto da corrente liberal. “Samuel é um menino bom, inteligente, mas é liberal na questão dos costumes e descambou a abrir a porta do comportamento”, afirma. Ferreira, por outro lado, se diz conservador, principalmente na questão dos dogmas. Em suas celebrações, há o momento do dízimo, do louvor, da adoração e um coral clássico. Ao mesmo tempo, é o torcedor do Corinthians que tuita pelo celular até de madrugada – dia desses, postou que saboreava um sorvete às 4h30 –, viaja de avião particular e não abre mão de roupas de grife. Um legítimo pastor do século XXI.




Líder católico holandês diz que pedofilia "não é prejudicial"


Alguns dias depois da Igreja Católica dos Estados Unidos ter divulgado um "estudo" que absolve o celibato e culpa a "revolução sexual" dos costumes (seria aquela da década de 1960?) e não a sem-vergonhice e a desfaçatez pelos casos de pedofilia que rotineiramente os incomodam, agora é a vez de um líder da ordem salesiana na Holanda vir a público com outra declaração cínica e autoincriminadora, segundo informa o UOL Notícias:

Líder religioso da Holanda diz que relações pedófilas não são "prejudiciais"

Depois da publicação de uma reportagem no jornal holandês, o "RTL Nieuws", sobre um 'clube" da pedofilia que teria padres entre os integrantes, o líder da Ordem dos Salesianos da Holanda, Herman Spronck, confirmou nesta sexta-feira que um de seus subordinados participava do grupo. Em uma entrevista anterior ao jornal, Spronk teria declarado que "esse tipo de relação" não seria "necessariamente prejudicial".

No comunicado divulgado hoje, ele afirmou que o padre servia em um grupo chamado "Martijn", que é bastante criticado, mas não ilegal.

"Claro que rejeitamos e nos distanciamos dessa iniciativa", diz o comunicado de Spronck. "Integrantes de grupos como ess não se adequam à ética da ordem salesiana", diz outro trecho do comunicado.

No entanto, em uma entrevista ao jornal "RTL Nieuws", Spronk e o suposto padre que integrava o grupo, identificado como Van B., de 73 anos, defenderam relações pedófilas.

"A sociedade acha que esse tipo de relacionamento é problemático. Eu discordo", disse Van B., segundo a publicação. Ele teria integrado o grupo de 2008 a 2010, quando a organização foi fechada depois que materiais de pornografia infantil foram encontrados em sua sede.

"Formalmente, sempre aconselho todos a obedeceram a lei. Mas essas relações [pedófilas] não precisam ser, necessariamente, prejudiciais", declarou Spronk ao "RTL Nieuws".

Centenas de casos de abuso sexual envolvendo padres estão sendo investigados na Holanda, sendo que a maioria dos casos envolve padres salesianos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ateus se oferecem para cuidar de animais de fundamentalistas "cristãos" depois do arrebatamento de amanhã

A notícia já vem desde os tempos que Harold Camping marcou o Juízo Final para o dia 21 de maio de 2011 (veja nosso texto de fevereiro de 2010), mas voltou a circular nas vésperas do dia do suposto arrebatamento, conforme publica o UOL Notícias:


Ateus oferecem cuidados aos bichos dos cristãos após o Juízo Final

O destino de cães e gatos de estimação após o dia do Juízo Final, que alguns cristãos fundamentalistas garantem que acontecerá este sábado (21), tem sido motivo de preocupação para muitas famílias, mas um grupo de empresários ateus dos Estados Unidos já oferece a solução.

Em 26 dos 50 Estados americanos, os empreendedores abriram um negócio que oferece serviços de resgate e adoção dos animais dos cristãos que forem selecionados para subir aos céus, quando Jesus os chamar ao seu lado.

"Você prometeu a vida a Jesus. Agora, está salvo. Mas quando chegar o êxtase, o que acontecerá com seus amados bichos de estimação que deixará para trás?", questiona o site da internet da companhia Eternal Earth-Bound Pets, que oferece aos cristãos "tirar-lhes esta preocupação da cabeça".

O serviço de resgate de bichos de estimação já tem 259 clientes, que pagaram US$ 135 para o primeiro animal e US$ 20 adicionais pelo segundo no mesmo endereço. A empresa garante que o animal terá companhia, cuidados e amor, apesar de seus donos cristãos terem ido para o céu.

Todos os integrantes das equipes de resgate são ateus convictos, o que significa que ficarão definitivamente na Terra, dedicados a recolher os animais depois deste dia.

Quando vier o dia do Juízo Final, o co-fundador da empresa Bart Centre "notificará todos os socorristas para que entrem em ação".

"Isto ocorrerá só se acontecer. Ou seja, não temos previsto fazer nada se não acontecer nada no sábado", explicou uma fonte da Bart Centre à AFP.

Os contratos são válidos por 10 anos.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O soldadinho de Deus

Momento sertanejo-naïve do blog, com Guatupe e Guaratuba
(porque ninguém é de ferro...):

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Honorários advocatícios deveriam ser pagos com dinheiro lícito

A matéria abaixo foi publicada no Correio Braziliense do dia 16/05/11 e marca uma discussão que deve ser levada a sério por todos os brasileiros. Sou advogado honesto, admiro minha profissão, e graças ao bom Deus nunca precisei me submeter a nenhum tipo de mutreta para me sustentar, e nem me submeteria jamais. Uma das coisas que eu mais prezo na vida é poder dormir com a consciência tranquila, e, creiam-me, meu sono é uma maravilha e não sei o que é insônia. Por isso, eu concordo que alguma medida legal tem que ser tomada para evitar que criminosos e corruptos de todo jaez, que não têm dinheiro com origem licitamente comprovada, paguem regiamente advogados de renome que cobram muito caro para defendê-los. Se é verdade que pecunia non olet ("o dinheiro não tem cheiro"), também é verdade que o estado de direito tem na transparência e na moralidade dois de seus princípios fundadores (só para citar alguns). Estranho é que, no caso de corrupção, por exemplo, a sociedade seja lesada pelo corrupto e ainda pague o advogado de ponta que ele contrata para se safar da cadeia, o que não deixa de ser uma subespécie macabra de "advogado dativo". Que ética é esta? Claro que já apareceram vozes contrárias a qualquer tipo de regulação, como o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, e Ophir Cavalcante, presidente do Conselho Federal da OAB, que, data venia, precisam melhorar a argumentação. Comparar o criminoso que contrata um advogado (com o dinheiro do crime) com o paciente que paga o médico é de uma indelicadeza atroz, a não ser que o médico tenha feito conscientemente uma cirurgia plástica para dar outra cara ao bandido. Além disso, salvar uma vida que se esvai é um imperativo legal e urgente; já livrar a cara do criminoso depende do devido processo legal que demora muitos anos, e defesa, mesmo que dativa, nunca lhe faltará. A notícia está no clipping do Ministério do Planejamento:

Rastreamento dos honorários

Josie Jeronimo e Diego Abreu

Dinheiro público, da iniciativa privada e do mundo do crime. De onde vem os recursos que pagam os honorários dos advogados que defendem chefes do crime organizado? Não são raros os casos de advogados que recebem honorários milionários de clientes que não têm outra fonte de renda a não ser o de atos ilícitos. Ao traficante Fernandinho Beira-Mar, por exemplo, é creditado um staff de 25 advogados. Escutas telefônicas mostraram relação escusa entre o traficante e seus defensores. Informações reservadas da polícia dão conta de que Beira-Mar teria desembolsado de uma só vez R$ 100 mil para remunerar um defensor.

Juristas, parlamentares e representantes de entidades civis discutiram em audiência no Senado a elaboração de lei para vetar pagamento de honorários com dinheiro de origem ilícita. Defensores da criação de mecanismo de transparência na remuneração de advogados que atuam na defesa de criminosos conhecidos por lesarem os cofres públicos ou chefiarem grupos de tráfico e contravenção citam o sistema italiano como exemplo. O juiz federal Wilson José Witzel, que atua em vara de execução fiscal no Rio de Janeiro e integra a Diretoria da Associação de Juizes Federais do Brasil (Ajufe), é entusiasta das medidas de controle e afirma que o resgate ético do tema passa pela proibição de escritórios privados aceitarem causas, mesmo se o advogado argumentar que defenderá o acusado gratuitamente. “Em alguns países como a Itália, pessoas acusadas de pertencer ao crime organizado são defendidas pelo Estado, pelos defensores públicos e os advogados têm que declarar os honorários recebidos. Não precisava mudar a legislação, se a mentalidade mudasse. A discussão deveria começar na academia.”

O controle da origem ilícita dos honorários é tema recorrente no Congresso. Parlamentares que apresentaram projetos de lei propondo veto à movimentação de dinheiro obtido com práticas criminosas para pagar defensores foram alvos de poderoso lobby da bancada dos advogados. O senador Pedro Taques (PDT-MT) reacendeu a discussão. O parlamentar afirma que apresentará proposta determinando que integrantes do crime organizado sejam representados por defensores públicos. O pedetista ressalta que o projeto não tem o objetivo de cercear o direito de defesa nem de diminuir a importância dos advogados no sistema legal, mas de evitar que o poderia do crime organizado se imponha. “O advogado é importante, é imprescindível. Nós temos que nos preocupar de onde vem o dinheiro. Se o traficante não tem outra fonte de recursos, como paga os honorários?”, questiona.

Mas a proposta de rastrear os honorários pagos por membros do crime organizado não agrada a advogados e a juristas ouvidos pelo Correio nem ao ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado destaca que não é cabível colocar em suspeição qualquer advogado. “Foge à razoabilidade. Quando você vai ao médico e paga a consulta, o médico tem o direito de perguntar de onde vem o dinheiro? A resposta é não. Então, não vejo como essa proposta prosperar sob o ângulo da razoabilidade e do nosso sistema jurídico”, afirma Marco Aurélio.

O ministro também discorda do projeto que restringe a defesa de membros de facções criminosas a defensores públicos. Segundo o ministro, todo cidadão tem o direito de escolher seu defensor, assim como todo advogado tem o direito de defender um criminoso, “seja ele quem for”.

Procurado, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, diz que a entidade “repudia com veemência” a proposta, que, segundo ele, “representa um ataque a advocacia”. Ophir afirma que uma eventual investigação da origem do dinheiro pago aos advogados foge à razoabilidade, uma vez que os pagamentos feitos a profissionais de outras áreas não são inspecionados. “Não só advogado, mas também médicos, engenheiros e contadores acabam recebendo dinheiro de origem ilícita. O advogado não defende um crime, mas o criminoso”, argumenta.

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