sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Agnosticismo de Dawkins é mesmo novidade?

Publicamos hoje a notícia de um debate entre Richard Dawkins e o Arcebispo da Cantuária, Dr. Rowan Williams, líder religioso da igreja Anglicana. Como dissemos ali, o debate não trouxe nada muito significativo, digno de nota, além da declaração de Richard Dawkins de que ele não é ateu, mas sim, agnóstico.

Alguns leitores então comentaram a notícia, dizendo que esta de fato não é uma notícia nova, e que em seu livro, Deus, uma ilusão, Dawkins teria dito que a probabilidade de Deus existir é baixa. Este foi um bom motivo então para que fôssemos verificar as referências que os leitores nos repassaram a fim de fazer algumas considerações.

Aparentemente, quando Dawkins diz que está convicto de "6,9 em cada 7 das suas crenças", ele está fazendo alusão à escala que ele mesmo criou em seu livro já mencionado, algo que uma leitora faz menção. Que escala é esta?
Levemos, então, a sério a ideia do espectro de probabilidades e coloquemos ao longo dele os juízos humanos sobre a existência de Deus, entre dois extremos de certezas opostas. O espectro é contínuo, mas pode ser representado por sete marcos:
1. Teísta convicto. Probabilidade de 100% de que Deus existe. Nas palavras de C. G. Jung, "Eu não acredito, eu sei".
2. Probabilidade muito alta, mas que não chega aos 100%. Teísta de facto. "Não tenho como saber com certeza, mas acredito fortemente em Deus e levo minha vida na pressuposição de que ele está lá."
3. Maior que 50%, mas não muito alta. Tecnicamente agnóstico, mas com uma tendência ao teísmo. "Tenho muitas incertezas, mas estou inclinado a acreditar em Deus."
4. Exatamente 50%. Agnóstico completamente imparcial. "A existência e a inexistência de Deus têm probabilidades exatamente iguais."
5. Inferior a 50%, mas não muito baixa. Tecnicamente agnóstico, mas com uma tendência ao ateísmo. "Não sei se Deus existe, mas estou inclinado a não acreditar."
6. Probabilidade muito baixa, mas que não chega a zero. Ateu de facto. "Não tenho como saber com certeza, mas acho que Deus é muito improvável e levo minha vida na pressuposição de que ele não está lá."
7. Ateu convicto. "Sei que Deus não existe, com a mesma convicção com que Jung 'sabe' que ele existe."
Fonte: Dawkins, Richard; Deus, um delírio, Editora Companhia das Letras, págs. 62 e 63.

Dentro desta escala então, onde Dawkins se posiciona e por quais motivos?
Eu ficaria surpreso de encontrar muita gente na categoria 7, mas a incluo em nome da simetria com a categoria l, que é bastante populosa. É da natureza da fé que alguém seja capaz, como Jung, de ter uma crença sem nenhum motivo adequado para tal (Jung também acreditava que alguns livros específicos de sua estante explodiam com um grande estrondo). Os ateus não têm fé; e a razão, sozinha, não tem como levar alguém à convicção plena de que alguma coisa definitivamente não existe. Daí por que a categoria 7, na prática, é muito mais deserta que seu oposto, a categoria l, que tem tantos habitantes devotados. Coloco-me na categoria 6, mas tendendo para a 7 — sou agnóstico na mesma proporção em que sou agnóstico a respeito de fadas escondidas no jardim.
Fonte: Dawkins, Richard; Deus, um delírio, Editora Companhia das Letras, pág. 63.
Assim, Dawkins não se considera no ponto 7 de sua escala, por que ele acha difícil que alguém possa estar neste ponto. Para ele, o ponto 7 revela uma fé igual àquela existente no ponto 1 de sua escala. E se ele está se colocando como 6,9, então ele está aproximando-se o máximo possível deste ponto 7, sem no entanto fazê-lo, já que para isto ele teria que admitir que possui fé em alguma coisa.

Mesmo assim, observem como ele define o ponto 6 onde ele se posiciona como Ateu de facto. Ele não se coloca no ponto 4 ou 5, que são os pontos que ele posiciona o agnosticismo. E de fato, é assim que ele se apresenta ao longo de seu livro, e é com o propósito de tornar pessoas ateias que ele escreve o livro, como ele mesmo informa em seu prefácio, na página 23:
Se este livro funcionar do modo como pretendo, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem.
Ainda em seu prefácio, discutindo a "religiosidade" de Einstein, ele faz a seguinte declaração (páginas 27 e 28):
A bióloga celular Ursula Goodenough, em The sacred depths of nature [As profundezas sagradas da natureza], soa ainda mais religiosa que Hawking e Einstein. Ela adora igrejas, mesquitas e templos, e vários trechos de seu livro são um convite a ser tirados de contexto e usados como munição para a religião sobrenatural. Ela chega até a chamar a si mesma de "naturalista religiosa". Mas uma leitura cuidadosa mostra que na verdade ela é uma ateia tão convicta quanto eu.
A próxima citação é do capítulo que várias pessoas citaram como prova de que Dawkins sempre se considerou um agnóstico. Este trecho descreve uma experiência dele em uma conferência em Cambridge sobre ciência e religião. Ali ele se define como (página 163):
Primeiro devo confessar (essa é provavelmente a palavra certa) que a conferência foi patrocinada pela Fundação Templeton. O público era um pequeno número de jornalistas científicos escolhidos a dedo, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Eu era o pobre ateu em meio aos dezoito palestrantes convidados.
E segue então discutindo como a fundação pagou pela participação destes jornalistas. No entanto, ele se define como o "pobre ateu", não como o pobre agnóstico.

Mas já que mencionamos o capítulo 4, Por que quase com certeza Deus não existe, é interessante também mencionar que o capítulo, ao contrário do que nossos leitores sugerem, não é para defender qualquer forma de agnosticismo. O capítulo se ocupa na verdade em refutar o argumento teísta de que por ser improvável que a vida tenha surgido por acaso, a Teoria da Evolução deveria ser descartada. Assim, tentando fazer uma reviravolta nesta argumentação, Dawkins afirma por todo capítulo que é a existência de Deus que tem baixa probabilidade, e por este motivo é que tais teístas deveriam descartar a existência de Deus. Na página 171 de seu livro, ele deixa claro que esta baixa probabilidade é um argumento contra a existência de Deus, e não um argumento a favor do agnosticismo:
Deixei a conferência animado e revigorado, e com minha convicção reforçada de que o argumento da improbabilidade — a tática do 747 Definitivo — é um argumento muito sério contra a existência de Deus, e para o qual ainda não vi nenhum teólogo dar uma resposta convincente, apesar das várias oportunidades e convites para fazê-lo.
Assim, quem sugeriu que este capítulo estaria demonstrando o agnosticismo de Dawkins, está muito enganado. O capítulo argumenta no sentido de que esta baixa probabilidade na verdade indica que Deus não existe - um argumento bem ateísta, diga-se de passagem.

Muitos de nossos leitores nos indicaram a obra de Dawkins, Deus, uma ilusão, como uma forma de refutar a notícia que foi postada. No entanto, embora Dawkins ali se reconheça como agnóstico em alguns pontos (e de forma muito ambígua), ele se define em outras partes do livro como ateu. Até mesmo em sua escala ele se coloca na forma mais alta possível de ateísmo (já que para ele o ponto 7 não deve ter muita gente). Por isto, o susto que as pessoas presentes no debate levaram, bem como o próprio jornal The Telegraph estão bem justificados. Citar seu livro agora parece mais uma forma de salvá-lo das próprias contradições (ou ambiguidades) que ele se sujeita, escrevendo uma coisa e dizendo outra. A resposta à pergunta que encabeça este artigo é, portanto: sim! o agnosticismo de Dawkins é novidade!

2 comentários:

  1. Muito bom Hélio.

    Depois das surras que Dawkins andou levando por ai pode ser que ele esteja repensando sobre ser ateu e já desceu um degrau das suas convicções.

    O dia em que ele debater com Craig ai ele vira teista de vez.

    Eita sujeitinho confuso!

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  2. Eu fico TONTA quando alguém diz que Deus não existe. Como negar o que não existe? Dizer "não" para o vácuo é algo impossível. Me sinto abençoadíssima por já ter momentos maravilhosos na presença Dele, e todos as coisas que Ele me disse (sim, ele tem voz!).... quando leio algo assim, me entristece! Esse mundo precisa de Deus!!!! Quando se está longe Dele, a pessoa chega ao ponto de perder anos de vida para escrever esses livros absurdos!!!

    Que Deus tenha misericódia desse pobre homem!

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