Isto é algo que a maioria dos cristãos sabe, mas que sempre nos escapa quando estamos lendo a Bíblia. Cada carta de Paulo foi escrita como um conjunto único, sem separação em capítulos e versículos, que é um recurso que somente foi utilizado a partir do século XVI. Na carta aos Romanos, ele, me parece que propositalmente, vai dividindo sua carta em capítulos de acordo com a seqüência lógica de seu pensamento, que sempre começa com algumas idéias leves, e vai num crescendo até explodir numa exaltação à glória de Deus e às bênçãos da vida cristã. O capítulo 8 parece ser a maior prova disso, mas todos os outros seguem o mesmo modelo, inclusive o 9, em que ele começa citando o testemunho de sua própria consciência, e o 10, em que fala da boa vontade do seu coração em relação aos judeus. A palavra "consciência", por sinal, é um tema constante nas cartas de Paulo. Embora inexistente no Velho Testamento, no Novo ela aparece 28 vezes, sendo 20 vezes nas cartas de Paulo, 3 em Hebreus, e 3 em 1ª Pedro. Outras 2 vezes aparece na narrativa de Atos, mas Lucas as coloca na boca de Paulo. Só em Romanos, ele emprega a palavra "consciência" 3 vezes (2:15, 9:1 e 13:5). Em Romanos 2:14-16, a consciência assume para Paulo um papel primordial na salvação daqueles que não chegaram a ouvir o evangelho:
Rom 2:13 Pois não são justos diante de Deus os que só ouvem a lei; mas serão justificados os que praticam a lei
Rom 2:14 (porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem por natureza as coisas da lei, eles, embora não tendo lei, para si mesmos são lei.
Rom 2:15 pois mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os),
Rom 2:16 no dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Cristo Jesus, segundo o meu evangelho.
Como veremos mais tarde, esta questão da consciência está intimamente ligada ao contexto de Romanos 10, em que Paulo começa falando dos judeus terem tentado estabelecer uma espécie de justiça própria mediante as obras da Lei, ignorando que "o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê" (v. 4), conforme ele detalha melhor em 2ª Coríntios 3:7-18, mas também cita, em seguida, Deuteronômio 30:11-14, no sentido de que a própria Lei de Deus já apontava que a graça de Deus era a única forma dEle atrair os homens a Si, e, assim, de nada adiantaria subir ao céu para trazer Cristo ou ressuscitá-lo de novo, se a pessoa não tivesse fé. Daí Paulo dar, por assim dizer, a "fórmula" de se tornar um cristão e ser salvo:
Rom 10:8 Mas que diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé, que pregamos.
Rom 10:9 Porque, se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo;
Rom 10:10 pois é com o coração que se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.
Rom 10:9 Porque, se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo;
Rom 10:10 pois é com o coração que se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.
Esses versículos são básicos para se entender o cristianismo, e como se opera a salvação. Paulo já vem dizendo isto durante toda a carta aos romanos, mas de outra forma. Já havia deixado claro que todos pecaram e carecem da glória e da graça de Deus (Romanos 3), e que pela fé somos justificados (Romanos 5), não havendo condenação para quem está em Cristo Jesus (Romanos 8), mas agora Paulo diz que era necessário não só um reconhecimento intelectual dessas verdades, mas também um comprometimento pessoal e público, no sentido de uma confissão audível de que Jesus é o Senhor da vida do cristão, e uma fé sincera no seu sacrifício por nossos pecados e na sua ressurreição. Jesus Cristo é o Senhor e o Salvador. Aqui temos, portanto, o fundamento para a profissão de fé do crente, não só no sentido de um ritual público, mas de um compromisso efetivo por toda a sua vida. No v. 11, Paulo insiste na idéia de que todo aquele que crê em Cristo não será confundido, e que não há acepção de pessoas, mas, citando Joel 2:32, "todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" (vv. 12-13). Paulo desfila um repertório de profetas do Antigo Testamento, pois sabe que boa parte dos seus leitores, judeus convertidos, estavam familiarizados com essas passagens bíblicas. E aí, ele os desafia:
Rom 10:14 Como pois invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como ouvirão, se não há quem pregue?
Rom 10:15 E como pregarão, se não forem enviados? assim como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam coisas boas!
Esta é uma passagem linda, uma exortação ao evangelismo, sem dúvida, mas ao mesmo tempo ela pode ser perigosa quando tirada fora do contexto. Por exemplo, para justificar sua heresia do "batismo pelos mortos", além de aproveitar-se da ironia que Paulo faz em 1ª Coríntios 15:29, os mórmons pinçam esses versículos de Romanos 10, isolando-os e, mediante um discurso sobre a injustiça de alguém ser condenado sem nunca ter ouvido o evangelho, tentam justificar o batismo que eles fazem "por procuração" das pessoas (almas) que já morreram. Assim, a pessoa viva aqui se batizaria em nome de algum morto, enquanto Cristo lhe pregaria esta mensagem no além. Eu sei que pode parecer absurdo (como de fato é), mas eles desenvolveram toda uma doutrina herética com base nesses versículos, e que, infelizmente, corrompem muita gente.
Entretanto, como toda seita que abusa de textos tirados de contextos, os mórmons procuram desviar a atenção do leitor da Bíblia em relação aos versículos seguintes, em que Paulo complementa:
Rom 10:16 Mas nem todos deram ouvidos ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem deu crédito à nossa mensagem?
Rom 10:17 Logo a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo.
Rom 10:18 Mas pergunto: Porventura não ouviram? Sim, por certo: Por toda a terra saiu a voz deles, e as suas palavras até os confins do mundo.
Rom 10:17 Logo a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo.
Rom 10:18 Mas pergunto: Porventura não ouviram? Sim, por certo: Por toda a terra saiu a voz deles, e as suas palavras até os confins do mundo.
Assim, o próprio Paulo respondeu às suas questões dos vv. 14-15:
Sim, todos ouviram! E não só na Judéia e nos arredores, mas por toda a terra!!!
Não se trata de um "simzinho" à toa... a palavra grega aí é μενουνγε (menounge), que é mais do que um mero "sim", mas um "sim" enfático, afirmativo ao extremo.
Foi a Lei mosaica que revelou a graça de Deus aos judeus? Certamente que sim... Deuteronômio 30 o confirma.
E aqueles que nunca ouviram falar da Lei mosaica (ou do evangelho)? Foi a natureza que revelou a glória de Deus, como diz o Salmo 19 e Romanos 1? Talvez... afinal, está no contexto da carta de Paulo aos Romanos... foi a consciência? Talvez...Romanos 2:14-16, como vimos acima, também fala disso... Estes são mistérios que não nos cabe dar uma resposta definitiva, mas Deus deixou algumas pistas colocadas estrategicamente nas cartas de Paulo. Pedro também se refere a esta "boa consciência" justamente quando fala de batismo em outro texto que os mórmons adoram deturpar, 1ª Pedro 3, em que Jesus foi pregar aos espíritos em prisão, Pedro fala do batismo não exatamente pela água, mas pela consciência:
1Pe 3:18 Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito;
1Pe 3:19 No qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão;
1Pe 3:20 Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água;
1Pe 3:21 Que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, o batismo, não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo;
Logo, na analogia que Pedro faz da salvação das águas pela arca de Noé, ele também se refere ao batismo na água, que nos salva, não pelo simples lavar da sujeira do corpo, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus. Assim, fica claríssimo que o que nos salva não é o ritual em si, envolva ele água por aspersão ou imersão, mas a consciência do crente que, de fato, crê em Cristo e está justificado para a salvação no Seu sangue.
Pedro e Paulo certamente formavam uma bela dupla.
Correndo o risco de nos alongarmos um pouco mais sobre Romanos 10:18 (e já alongando), a primeira impressão de quem lê este texto é a de que ele se refere unicamente aos judeus, mas se formos pesquisar mais a fundo, veremos que ele se refere tanto a judeus como a gentios. Ainda que o capítulo 10 seja mais específico com relação aos judeus, desde Romanos 1 Paulo vem dizendo que todos são indesculpáveis, que todos tiveram a oportunidade de conhecer Deus através da natureza, e em Romanos 2, através da consciência, como já citamos.
"Ouvir a lei", em Romanos 2:13 (acima), aparentemente, diz respeito unicamente aos judeus, mas o próprio texto de Romanos 10 vai abrindo o leque para os gentios. No v. 12, Paulo diz que "não há distinção entre judeus e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam". E o v. 13 complementa dizendo que "todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo". Logo, um grego, um gentio, poderia invocar o nome do Senhor? Teria ele ouvido de Deus pela natureza ou pela consciência? O v. 18 diz que "Porventura não ouviram?". E a resposta: "Sim, por certo: Por toda a terra saiu a voz deles, e as suas palavras até os confins do mundo". Esta é uma citação que Paulo faz do Salmo 19, outro salmo tido como "portador" de uma revelação universal de Deus por meio da natureza:
Salmo 19:
1 Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
2 Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite.
3 Não há fala, nem palavras; não se lhes ouve a voz.
4 Por toda a terra estende-se a sua linha, e as suas palavras até os confins do mundo. Neles pôs uma tenda para o sol,
Se saiu por toda a terra, até os confins do mundo, isso inclui os gentios. E o raciocínio do v. 19 de Romanos 10 é invertido, ou seja, se saiu por todo mundo a mensagem de Deus, "porventura, não terá chegado isso ao conhecimento de Israel?". Ou seja, Paulo inverte mesmo o raciocínio. Até o v. 17, ele fala do particular (Israel) para o geral (mundo), mas nos vv. 18 e 19 ele vai do geral (mundo) para o particular (Israel) pra justificar seu ponto de vista. Isto serve de ponte também para o primeiro versículo do capítulo 11, pois, pelo menos a princípio, Paulo estava se referindo exclusivamente aos judeus. Logo, os judeus que leram a carta deviam estar se perguntando: "terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo?", ao que Paulo responde: "De modo nenhum!" (Romanos 11:1).
Alguns comentários sobre o texto em questão:
Bíblia de Genebra:
10.18 Por toda a terra se fez ouvir a sua voz. O contexto imediato da citação de Sl 19.4 é o da revelação geral de Deus (Sl 19.1-3). Paulo se utiliza disso para provar, por meio das Escrituras, que Israel tinha ouvido a mensagem de Deus, e isso subentende que sua citação dessa seção do salmo envolve o ensino do salmo todo, que fala tanto de uma revelação geral, na natureza, como de uma revelçação especial, em sua Palavra. Esta última revelação tem lugar no contexto da primeira. A lógica subjacente pode ser: Se aqueles, sem qualquer revelação especial, "ouviram" a mensagem da glória divina na criação, quanto mais a ouviram aqueles que receberam a revelação especial.Bíblia do Peregrino:10,18-21 Não podem alegar que não ouviram, porque a pregação e estendeu a todo o mundo; adapta Sl 19,4, que fala da manifestação cósmica. Tampouco podem alegar que não entenderam, porque Deus
se pôs a seu alcance (Is 65,1), os incitou (Dt 32,21) mas eles resistiram (Is 65,2).Bíblia de Estudo NVI:
10.18 A sua voz. A citação provém do Sl 19,4, referente ao testemunho dos céus a respeito da glória de Deus. Aqui, "a sua voz ressoou" aplica-se aos pregadores do evangelho, demonstrando que Israel não pode oferecer a desculpa de não ter tido oportunidade de ouvir, pois os pregadores iam a todos os lugares. Essas palavras (usadas primeiro em referência à revelação de Deus na natureza) dizem respeito de forma adequada à pregação generalizada do evangelho, e Paulo as emprega para demonstrar que os judeus tiveram ampla oportunidade de ouvir a mensagem da redenção.10.19 Será que Israel não entendeu? A citação que se segue (de Dt 32,21) responde à pergunta, dando a entender que os gentios, que os judeus consideravam sem iluminação espiritual, entenderam. Sem dúvida, como os gentios entenderam a mensagem, os judeus também a poderiam ter entendido, quem não é meu povo. Os gentios, que não são nação formada por Deus da mesma forma que Israel.
Muito inteliente seus textos, li e consegui entender muito mais do que sabia. volto a visitá-lo.meu blog é marthacorreaonline.blogspot.com
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