
Antes de nos aprofundarmos neste significado, voltemos ao início do capítulo 11, em que Paulo deixa claro que "Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu" (v. 2), o mesmo "aos que de antemão conheceu" de Romanos 8:29, que Paulo aplica a todos, judeus e gentios (mais a estes, talvez), dizendo que "também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos". Comparando com a história de Elias (1 Reis 19:10-14), Paulo diz que "no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça" (v. 5), e não por causa das obras praticadas segundo a Lei mosaica (v. 6). Este remanescente do povo judeu – que havia se convertido ou ainda se converteria a Cristo - existia naquela época em que Paulo escrevia sua carta, mas também podemos entender que segue existindo hoje, e, pelo v. 26 ("todo o Israel será salvo"), podemos deduzir que seguirá existindo até o final dos tempos. Paulo segue falando que Deus não rejeitou a Israel, mas, ao mesmo tempo, se apresenta aos seus leitores com as suas credenciais de "apóstolo dos gentios" (v. 13), como se estivesse mostrando que o fato de lutar pela salvação dos seus irmãos judeus não competia com o seu trabalho pela salvação dos gentios.
Fazendo a analogia com a oliveira, Paulo compara o povo judeu, que havia sido eleito como mensageiro de Deus para o mundo na velha aliança (a da Lei mosaica), era como o galho que havia sido quebrado da árvore (v. 17), e os gentios, destinatários da mensagem da nova aliança, eram como ramos de oliveira brava enxertados na oliveira, pelo que não deviam se gloriar contra os galhos quebrados (os judeus), pois é a raiz comum (o pacto revelado ao povo judeu no Velho Testamento) que sustenta os galhos (sejam eles judeus ou gentios), e não o contrário (v. 18). Daí o conselho de Paulo, que vale para todas as situações da vida, passadas, presentes ou futuras: "Não te ensoberbeças, mas teme" (v. 20). A lógica de Paulo é que se Deus não poupou os judeus, quanto mais os gentios, daí a sua insistência em que todos PERMANEÇAM na bondade de Deus (v.22). A questão da permanência em Deus é da maior importância. Todos nós nos lembramos das palavras de Jesus no Sermão da Montanha, em que Ele diz que pelos frutos se conhecem os falsos profetas (Mateus 7:15-21). Esses versículos são muito usados para incentivar os crentes a dar frutos, embora o contexto esteja explicitamente se referindo aos falsos profetas. Assim, nos esquecemos facilmente do versículo que diz isso mais claramente:
João 15:16 Vós não me escolhestes a mim mas eu vos escolhi a vós, e vos designei, para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.
Não basta, portanto, que o crente dê fruto. O ciclo só está completo se o fruto permanece. Paulo insiste que os crentes devem permanecer na bondade de Deus. Nós geralmente reparamos muito se alguém se converte, ou se desiste na primeira batalha, e com isso nos esquecemos de observar (e admirar) aqueles que permanecem. É esta a permanência que Paulo NÃO vê na história do povo judeu. Pelo contrário, ele censura o fato deles terem tido tantas oportunidades, mas terem sido derrotados em todas elas. Apesar disso, ainda resta uma oportunidade para os judeus leitores de Paulo naquela época, e todos aqueles das gerações seguintes, de permanecer em Deus através de Jesus. É neste sentido que deve ser interpretado o "todo o Israel será salvo" do v. 26. Este é um versículo reconhecidamente de difícil interpretação, mas deve-se ter em conta que "todo o Israel" era uma expressão figurada muito comum entre os profetas e escritores bíblicos, não querendo dizer literalmente "todos os judeus de todos os tempos" (vide, por exemplo, Atos 4:10 e 13:24). Dentro do contexto do v. 26, Paulo está dizendo que "todo o Israel será salvo" quando "haja entrado a plenitude dos gentios" (v. 25), plenitude esta que se completa na consumação dos tempos (Lucas 21:24, Apocalipse 7:9). Em função desse "mistério" do v. 25, muitos estudiosos entendem que, no final dos tempos, haverá uma conversão em massa dos judeus, de maneira a significar figuradamente que "todos" se salvarão, mas isso ainda fica no terreno da especulação. Em Efésios, Paulo vai falar novamente deste "mistério", agora relacionando-o aos gentios:
Efésios 3:8 A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar aos gentios as riquezas inescrutáveis de Cristo,
Efésios 3:9 e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou,
Por fim, Paulo termina o capítulo 11, de novo, com um hino de louvor a Deus, dentro da sua estratégia de começar cada trecho (hoje capítulo) de sua carta aos Romanos, primeiro com uma ou várias perguntas, depois alguns paradoxos e comparações, para depois revelar um profundo ensinamento, até terminar exaltando a Deus. As cartas de Paulo eram lidas várias vezes na Igreja à qual era destinada, bem como se enviavam cópias a outras igrejas (daí termos hoje o Novo Testamento). Certamente, ele já as escrevia e preparava de tal maneira que pudessem ser lidas e meditadas vagarosamente, parte por parte.