Dentro da divisão por capítulos da Carta de Paulo aos Romanos, o de nº 13 é o menor, com apenas 14 versículos, sendo que 7 deles dizem respeito ao comportamento do cristão como membro da sociedade civil. Talvez seja esta a única razão para que os responsáveis pela divisão em capítulos, no século XVI, isolassem esses versículos num capítulo tão pequeno. O capítulo 13 começa com uma exortação dura: "Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação" (vv. 1-2). Estes versículos foram usados, por muitos e muitos séculos, para justificar a dominação de determinadas classes sobre outras, como no caso das monarquias absolutas que vigoraram até o século XVIII. A Revolução Francesa, de 1789, foi o grande marco no sentido de se romper com o absolutismo e de se começar a valorizar a democracia e os direitos humanos, e, não por acaso, foi notadamente anti-religiosa, pois viam na religião (tanto católica como protestante à época) um freio contra as mudanças políticas, exatamente por esta visão do rei como alguém divinamente instituído. O mesmo aconteceu no século XX, por exemplo, em que, na Guerra Civil espanhola, a Igreja Católica se aliou aos monarquistas comandados por Franco, e isto resultou na morte de muitos padres quando a guerra começou. Embora ideologia também seja um termo (e um conceito) moderno, surgido no século XIX, hoje nós temos as ferramentas para separar o que é teológico do que é ideológico nesta questão.
Primeiramente, é preciso contextualizar o que Paulo disse. Não havia democracia nem direito como hoje entendemos essas duas instituições básicas da vida em sociedade. Uma certa forma primitiva de "democracia" (que, na verdade, não merecia este nome) era limitada a alguns cidadãos ilustres, e mesmo eles estavam sujeitos aos golpes de Estado (outro conceito inexistente à época) dos generais que aspiravam a ser César. O direito romano estava em crescimento, mas ainda era tópico, casuístico, ou seja, havia juízes que julgavam caso a caso, sem uma lei universal que atingisse a todos, fossem eles cidadãos ou escravos. A igualdade entre os homens era uma idéia absurda à época. A idéia de codificação de leis, como temos hoje a Constituição e o Código Civil, é moderna, só surgiu a partir das Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789), principalmente com o Código Civil francês de 1804. Paulo queria, obviamente, a paz para a Igreja de Roma. Sabia do ambiente político violento e injusto em que eles estavam inseridos, e, portanto, queria que a Igreja crescesse em paz, mesmo sabendo da violência e do martírio que eles teriam que enfrentar. Para tanto, era realmente necessário serem submissos à ordem anti-democrática que imperava em Roma, e o fato de atribuir a Deus a ordenação das autoridades me parece um reforço desta idéia, pois afinal, Cristo havia vindo ao mundo na "plenitude dos tempos" (Gálatas 4:4, Efésios 1:10), em que, dentro da atuação de Deus na História, era conveniente (ou necessário) ter um Império que controlasse o mundo conhecido de então, e que facilitasse a circulação de pessoas e idéias, como foi o caso do início do cristianismo.
Este tipo de abordagem da origem divina das autoridades, com o passar do tempo, e a ascensão da Igreja Cristã, e sua absorção, até certo ponto enorme, pela estrutura do Império Romano e dos reinos que o sucederam, foi deixando de ser teológica para se transformar em ideológica, ou seja, a obediência servil e indiscutível do ser humano ao governo foi sempre ressaltada como um instrumento de dominação da minoria mais forte sobre a maioria mais fraca (por paradoxal que pareça a idéia). Por exemplo, o direito de greve hoje é garantido no Brasil, mas durante a ditadura (1964-1985), e até a Constituição de 1988, era proibido. Nas greves do fim dos anos 70 e começo dos 80, muitos crentes não quiseram participar alegando Romanos 13, quando, na verdade, o que eles não queriam dizer é que eram favoráveis à ditadura. Eu mesmo fui criticado por isso, pois participei das greves bancárias de 1984, quando tinha 21 anos de idade, e muitos irmãos me apontaram o dedo com estes versículos de Paulo. Eles estavam sendo muito mais ideológicos do que teológicos, embora não admitissem e tentassem disfarçar o óbvio. Isto remete a outra questão: e quando o governo é injusto, e quando o juiz é corrupto (v. 3), e quando valores básicos da humanidade são desrespeitados, até que ponto devemos nos submeter a esses governantes e às suas decisões? Eu acho que devemos orar por eles:
1Timóteo 2:1 Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens;
1Timóteo 2:2 pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranqüila e pacífica, com toda piedade e dignidade.
1Timóteo 2:3 Isto é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador,
Devemos pagar os nossos impostos (vv. 6-7 de Romanos 13), e estar sujeitos a eles por "dever de consciência" (v. 5 – de novo a palavra "consciência"), mas quando eles se voltam contra aquilo que Deus exige de nós, nós podemos praticar a desobediência civil, como no caso dos discípulos que foram proibidos de anunciar a Jesus no começo da Igreja cristã (Atos 4:18-31; 5:17-29). Trazendo isso para os nossos dias, hoje nós vivemos numa democracia e temos um Direito estabelecido, que nos garante a liberdade de nos expressarmos e de nos rebelarmos pacificamente com relação a algumas situações civis que nos agridem como cristãos e cidadãos. O direito de greve é um desses exemplos, e mesmo diante de um governo opressivo, ditatorial (contrário ao direito, portanto), acho que podemos nos valer de todos os instrumentos pacíficos ao nosso alcance para protestar. Os 7 primeiros versículos de Romanos 13 devem ser entendidos dentro do contexto próprio da Igreja de Roma naquela época, e dentro do que é possível aplicar aos nossos dias, como o pagamento de tributos, por exemplo, mas sem nunca colocar na pessoa do governante a aura de um semi-deus inquestionável e inatingível, já que temos o direito de protestarmos civil, democrática e pacificamente contra ele.
Com relação aos versículos seguintes de Romanos 13, Paulo volta ao tema do amor nos vv. 8-10, contrastando-o propositalmente com a lei, tema que ele tratou com especial atenção nos 11 primeiros capítulos, terminando por concluir brilhantemente que "o cumprimento da lei é o amor" (v. 10). Quem não mata, não adultera, não furta, faz isso por amor ao próximo (e a Deus), e não por mera obrigação. Os versículos finais do capítulo (vv. 11-14) convocam os romanos a se prepararem para o fim dos tempos. "Vai alta a noite, e vem chegando o dia" (v. 12). De fato, muitos leitores da carta de Paulo seriam martirizados nos anos seguintes (inclusive ele próprio), e Paulo os exorta a viverem uma vida santa, abandonando tudo o que dizia respeito à carne e dedicando-se completamente à obra de Deus.
Primeiramente, é preciso contextualizar o que Paulo disse. Não havia democracia nem direito como hoje entendemos essas duas instituições básicas da vida em sociedade. Uma certa forma primitiva de "democracia" (que, na verdade, não merecia este nome) era limitada a alguns cidadãos ilustres, e mesmo eles estavam sujeitos aos golpes de Estado (outro conceito inexistente à época) dos generais que aspiravam a ser César. O direito romano estava em crescimento, mas ainda era tópico, casuístico, ou seja, havia juízes que julgavam caso a caso, sem uma lei universal que atingisse a todos, fossem eles cidadãos ou escravos. A igualdade entre os homens era uma idéia absurda à época. A idéia de codificação de leis, como temos hoje a Constituição e o Código Civil, é moderna, só surgiu a partir das Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789), principalmente com o Código Civil francês de 1804. Paulo queria, obviamente, a paz para a Igreja de Roma. Sabia do ambiente político violento e injusto em que eles estavam inseridos, e, portanto, queria que a Igreja crescesse em paz, mesmo sabendo da violência e do martírio que eles teriam que enfrentar. Para tanto, era realmente necessário serem submissos à ordem anti-democrática que imperava em Roma, e o fato de atribuir a Deus a ordenação das autoridades me parece um reforço desta idéia, pois afinal, Cristo havia vindo ao mundo na "plenitude dos tempos" (Gálatas 4:4, Efésios 1:10), em que, dentro da atuação de Deus na História, era conveniente (ou necessário) ter um Império que controlasse o mundo conhecido de então, e que facilitasse a circulação de pessoas e idéias, como foi o caso do início do cristianismo.
Este tipo de abordagem da origem divina das autoridades, com o passar do tempo, e a ascensão da Igreja Cristã, e sua absorção, até certo ponto enorme, pela estrutura do Império Romano e dos reinos que o sucederam, foi deixando de ser teológica para se transformar em ideológica, ou seja, a obediência servil e indiscutível do ser humano ao governo foi sempre ressaltada como um instrumento de dominação da minoria mais forte sobre a maioria mais fraca (por paradoxal que pareça a idéia). Por exemplo, o direito de greve hoje é garantido no Brasil, mas durante a ditadura (1964-1985), e até a Constituição de 1988, era proibido. Nas greves do fim dos anos 70 e começo dos 80, muitos crentes não quiseram participar alegando Romanos 13, quando, na verdade, o que eles não queriam dizer é que eram favoráveis à ditadura. Eu mesmo fui criticado por isso, pois participei das greves bancárias de 1984, quando tinha 21 anos de idade, e muitos irmãos me apontaram o dedo com estes versículos de Paulo. Eles estavam sendo muito mais ideológicos do que teológicos, embora não admitissem e tentassem disfarçar o óbvio. Isto remete a outra questão: e quando o governo é injusto, e quando o juiz é corrupto (v. 3), e quando valores básicos da humanidade são desrespeitados, até que ponto devemos nos submeter a esses governantes e às suas decisões? Eu acho que devemos orar por eles:
1Timóteo 2:1 Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens;
1Timóteo 2:2 pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranqüila e pacífica, com toda piedade e dignidade.
1Timóteo 2:3 Isto é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador,
Devemos pagar os nossos impostos (vv. 6-7 de Romanos 13), e estar sujeitos a eles por "dever de consciência" (v. 5 – de novo a palavra "consciência"), mas quando eles se voltam contra aquilo que Deus exige de nós, nós podemos praticar a desobediência civil, como no caso dos discípulos que foram proibidos de anunciar a Jesus no começo da Igreja cristã (Atos 4:18-31; 5:17-29). Trazendo isso para os nossos dias, hoje nós vivemos numa democracia e temos um Direito estabelecido, que nos garante a liberdade de nos expressarmos e de nos rebelarmos pacificamente com relação a algumas situações civis que nos agridem como cristãos e cidadãos. O direito de greve é um desses exemplos, e mesmo diante de um governo opressivo, ditatorial (contrário ao direito, portanto), acho que podemos nos valer de todos os instrumentos pacíficos ao nosso alcance para protestar. Os 7 primeiros versículos de Romanos 13 devem ser entendidos dentro do contexto próprio da Igreja de Roma naquela época, e dentro do que é possível aplicar aos nossos dias, como o pagamento de tributos, por exemplo, mas sem nunca colocar na pessoa do governante a aura de um semi-deus inquestionável e inatingível, já que temos o direito de protestarmos civil, democrática e pacificamente contra ele.
Com relação aos versículos seguintes de Romanos 13, Paulo volta ao tema do amor nos vv. 8-10, contrastando-o propositalmente com a lei, tema que ele tratou com especial atenção nos 11 primeiros capítulos, terminando por concluir brilhantemente que "o cumprimento da lei é o amor" (v. 10). Quem não mata, não adultera, não furta, faz isso por amor ao próximo (e a Deus), e não por mera obrigação. Os versículos finais do capítulo (vv. 11-14) convocam os romanos a se prepararem para o fim dos tempos. "Vai alta a noite, e vem chegando o dia" (v. 12). De fato, muitos leitores da carta de Paulo seriam martirizados nos anos seguintes (inclusive ele próprio), e Paulo os exorta a viverem uma vida santa, abandonando tudo o que dizia respeito à carne e dedicando-se completamente à obra de Deus.