sexta-feira, 21 de março de 2008

O evangelho de Lucas - parte 11

O capítulo 9 de Lucas começa e termina mostrando a pobreza de Jesus e seus discípulos (o que é um contraste gritante com a chamada "teologia da prosperidade" atual), e mostra Jesus predizendo por duas vezes o seu próprio sacrifício, sem que os discípulos entendessem exatamente do que ele estava falando. Primeiro, nos vv. 1-6, Jesus envia seus apóstolos para uma missão, dando-lhes poder e autoridade para curar e exorcizar. Tratava-se de uma espécie de treinamento, uma "delegação de poder" que provavelmente durou alguns dias, já que eles deviam percorrer as cidades próximas, mas não podiam levar nem comida nem dinheiro. Deviam valer-se da caridade e da hospitalidade alheia. Aqueles que não os recebessem e os ajudassem, eles deveriam dar testemunho contra eles sacudindo o pó dos seus pés ao saírem das cidades. A ênfase aqui, me parece, está na providência divina, não só na realização de milagres, mas principalmente na dependência total e absoluta da graça de Deus para as novas tarefas que eles estavam assumindo. Agora, eles eram "pescadores de homens"(Mateus 4:19, Marcos 1:17). No final do capítulo (vv. 57-62), Jesus de novo está lidando com pessoas que queriam segui-lo, mas ele novamente ressalta a sua pobreza, dizendo que "as raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça" (v. 58). Seguir a Jesus implicava num custo sem receita aparente, não havia orçamento para as viagens, hospedagens e comida. O custo era alto, e quem lançava mão do arado, ou seja, se dispunha a trabalhar na seara do Senhor, (João 4:35), não podia mais voltar atrás (v. 62). O discípulo devia tomar a sua cruz e segui-lO sem questionar (v. 23). Por meio de uma série de paradoxos (vv. 23-25), Jesus chama a atenção para o fato de que, quem quisesse ganhar a sua vida, a perderia, e quem a perdesse, a salvaria. Obviamente, as palavras de Jesus não deveriam ter uma interpretação literal, afinal ele não estava incentivando o suicídio. O que Ele esperava ver morto naqueles que o seguiam (e o seguem até hoje) era (e é) o egoísmo, a vida centrada em si mesma, sem se importar com o próximo. O Mestre não queria que desavisados o seguissem, por isso insistiu tanto em apontar os altos custos e a completa mudança de vida em que implicava o simples fato de andar com Ele.

Jesus ainda prediz a sua morte por duas vezes, mas os ouvidos dos discípulos parecem estar trancados para esta informação. No v. 22, Ele dá uma descrição mais abrangente de como isto aconteceria, incluindo no relato a ressurreição, e no v. 44 Ele é mais sucinto. Antes da primeira profecia, os discípulos haviam presenciado a multiplicação dos pães e dos peixes, e entre as duas profecias de Jesus, temos a transfiguração dEle no monte, diante de Pedro, Tiago e João. Eram momentos de êxtase espiritual intercalados pelo choque de realidade da missão e do propósito de Jesus na Terra. Nesse meio-tempo, os apóstolos haviam cumprido sua missão sem comida e sem dinheiro pelas cidades vizinhas, presenciaram a cura de um jovem possesso e ainda foram impedidos de entrar em uma aldeia samaritana (v. 53). Jesus proporcionava aos seus discípulos um zig-zag de emoções. Andar com ele não era tarefa fácil. Tinha seus momentos de glória divina, mas também outros de contato com a miséria humana e o preconceito étnico. Dos três evangelistas sinópticos, Lucas talvez seja aquele que mais prezasse o estilo literário, e é sintomático que ele insistisse tanto na questão do custo do discipulado e do sacrifício de Jesus nesse mesmo trecho (ainda que o evangelho não fosse dividido em capítulos à época). Podemos imaginar que ele queria dizer que seguir a Jesus envolve um sacrifício do crente? É possível que sim, desde que entendamos que o sacrifício de Jesus é único, original e insubstituível, e o do crente é subsidiário, eventual, e circunstancial.

Há que registrar-se, ainda, os episódios da multiplicação dos pães e peixes e a cura de um jovem possesso. Em ambas as situações, uma multidão seguia Jesus, a ponto de Herodes ficar perplexo com aquele novo profeta (v. 7). Já havia mandado decapitar a João Batista, e agora tinha que lidar com outro "messias" aparentemente muito mais poderoso. Na multiplicação dos alimentos, chama a atenção o fato de Jesus ter dito aos seus discípulos: "Dai-lhes vós mesmos de comer" (v. 13). Eles já haviam sido treinados, e agora Jesus desafiava-lhes a fé. Eles, como de costume, se preocupavam com os dados mais objetivos, terrenos, afinal só havia 5 pães e 2 peixes, e a frieza dos números acompanhava-lhes a razão. A ironia de Jesus, em alimentar tanta gente com tão pouco, mexia com o ânimo dos discípulos, e, mesmo assim, da reunião do pouco que eles tinham Jesus ainda fez sobrar doze cestos (v. 17), um para cada apóstolo, talvez a mostrar-lhe como ainda estavam longes de exercitar a fé, o que fica mais claro quando o pai do rapaz possesso diz que seus discípulos não haviam conseguido expulsar o espírito imundo de seu filho (v. 40). Mesmo diante de tanto poder de Deus demonstrado na vida do Mestre, os discípulos ainda tateavam o campo da fé. Por fim, Jesus ensina os discípulos a serem tolerantes com aqueles que, em nome dEle, expeliam demônios (vv. 49-50), mas, logo depois, vê uma aldeia samaritana intolerante impedir-lhe a passagem e estadia (vv. 52-53). Ele havia se dado conta de que chegara a hora de enfrentar a sua missão e ir para Jerusalém. A sua determinação era tão visível que até se lhe mudou o semblante (v. 51). Os seus dias estavam se completando. Na narrativa de Lucas, Jesus só entrará em Jerusalém no fim do capítulo 19, depois de jantar com Zaqueu em Jericó. Provavelmente, os acontecimentos dos capítulos entre o 9 e o 19 aconteceram de forma muito rápida, além das parábolas de Jesus tomarem boa parte deles, mas o caminho de Jesus ao Gólgota já estava definitivamente traçado.

Um comentário:

  1. passei por aqui, e parei, lí e me fez bem,principalmente por hoje ser sexta feira Santa. Volto a visitá-lo, pois vi t
    que tens fários assuntos muti bons.Meu blog é marthacorreaonline.blogspot.com

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