terça-feira, 9 de abril de 2013

As crianças de Hitler

Os monstros nazistas já são sobejamente conhecidos, bem como as atrocidades que cometeram. 

E os seus descendentes, como é que eles enfrentaram essa herança maldita? Como é que foi carregar o peso macabro de um sobrenome alemão marcado pelo genocídio?

Artigos interessantes publicados na Folha de S. Paulo de 07/04/13 falam de um documentário que tenta responder essas intrigante perguntas, dirigido por alguém improvável, um cineasta judeu:

As crianças de Hitler

Filme dá voz a familiares de nazistas

ISABELLE MOREIRA LIMA

RESUMO Cineasta judeu israelense entrevistou descendentes de hierarcas nazistas em campos de concentração, confrontando-os com o mal praticado por seus familiares. Depoimentos mostram as "crianças de Hitler" ora pressionadas entre a vergonha e a culpa, ora dispostas a refletir sobre a trágica experiência histórica.

O diretor de cinema israelense Chanoch Ze'evi ficou perturbado ao conhecer a secretária de Hitler. Ele sempre imaginou que os nazistas seriam monstros sem rosto. "De repente, ela tinha perguntas a fazer sobre mim. Ela queria saber sobre Israel, se eu tinha uma família", conta.

Quase como se tivesse esquecido quem era a interlocutora, Ze'evi se viu mostrando uma foto da filha bebê, para ter um novo abalo na sequência: "Ela foi a outra sala e voltou com fotos de Hitler. Foi chocante porque ela não conseguia esconder de mim, um judeu israelense, a admiração que sentia por ele".

Depois daquele encontro, Ze'evi sabia que queria conhecer o outro lado. Assim nascia o projeto de "Hitler's Children" (veja trailer do filme em bit.ly/hitlerschildren).

Em uma das imagens mais fortes do documentário, o alemão Rainer Höss visita pela primeira vez um campo de concentração. A experiência, forte em qualquer contexto, supera as expectativas neste caso: Rainer é neto de Rudolf Höss, criador e comandante de Auschwitz. Acompanhado por um descendente de sobreviventes do campo, Hoess visita a casa onde sua família morou e compara o que vê às imagens de crianças brincando em um jardim em fotografias antigas. Minutos depois, é confrontado por jovens israelenses que o questionam: "Você se sente culpado?"

Essa questão permeia o filme de Ze'evi, que ouviu outros quatro descendentes de hierarcas nazistas - Hermann Göring, fundador da Gestapo, Heinrich Himmler, segundo homem do partido, abaixo apenas de Hitler, Hans Frank, comandante da Polônia durante a ocupação, e Amon Göth, comandante do campo de concentração Plaszów.

Os entrevistados falam sobre o peso de seus sobrenomes e sobre como se relacionam com a história da família. "Contar essa história é passar uma mensagem de esperança", afirma o diretor. "Eles não são responsáveis pelas atrocidades cometidas pelos antepassados. É uma fatalidade ser descendente de um monstro, um criminoso de guerra. Nós, a segunda e terceira geração dos dois lados, nazistas e judeus, temos que enfrentar a verdade e termos esperança."

FATO POSITIVO Ze'evi conta que não foi fácil conseguir pessoas dispostas a falar. Uma longa pesquisa o levou a 20 potenciais entrevistados e, após alguns telefones desligados na cara, decidiu fazer contato por carta.

Niklas Frank, escritor, jornalista e filho de Hans Frank, foi um dos primeiros a concordar em participar. "Escrevo livros sobre a minha família, tenho uma pesquisa extensa, que começou na esperança de encontrar algum fato positivo. Hoje, inicio minhas palestras falando do tabu de não amar os pais. Não tinha nenhum motivo para não participar do filme", conta.

Para Bettina Göring, sobrinha-neta de Hermann Göring, falar sobre o tema faz parte do processo de cura. "Eu resolvi falar porque acho que ainda é necessário. Ainda há a necessidade de cicatrizar as feridas da Alemanha", diz.

"Há muita vergonha e culpa. Para mim era muito difícil até admitir que eu tinha culpa. Por que eu teria culpa se eu não fiz nada?", questiona. "É um sentimento bizarro. Mas não é raro. Conheço muitos outros alemães que se sentem assim".

Bettina, que também está no filme "Os Fantasmas do Terceiro Reich" da brasileira Claudia Sobral, é retratada no filme como uma das descendentes que respondeu de forma mais drástica à sua herança genética: resolveu se esterilizar para dar fim à sucessão do sobrenome.

Ela diz, no entanto, que não gostou do modo em que sua decisão foi retratada. "Foi um pouco sensacionalista. Na verdade a história é muito mais profunda."

Para atingir todas as questões que julga importante, resolveu fazer a sua versão da história e há três meses largou a vida em Santa Fé, nos EUA, e está em um retiro na Tailândia escrevendo a história de sua família. "Eu queria escrever um livro desde meus 20 anos, mas não era o momento certo. Nos últimos anos, muita coisa veio à tona e acho que esse é o objetivo da minha vida."

Umas das coisas mais impressionantes que descobriu na pesquisa é que o irmão mais novo de Göring era uma espécie de Schindler, que ajudou muitos judeus a escaparem dos nazistas. Quando o regime caiu, no entanto, ninguém sabia ou acreditava, e ele teve muitos problemas pela ligação de sangue com Hermann. Para Bettina, a descoberta foi um alento.

"Hitler's Children" foi muito bem recebido pela crítica e tem passado por uma espécie de peregrinação por festivais de cinema em todo o mundo, sejam eles de temática judaica ou não, desde 2011. Nos EUA, 11 cidades já exibiram o documentário -em Chicago, foram cinco dias de ingressos esgotados. De acordo com a Maya Productions, produtora do título, há interesse de levá-lo ao Brasil, ao Festival do Rio e a um canal de TV ainda não divulgado.






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