A edição de domingo passado, 31/03/13, da Folha de S. Paulo, estava caprichada, parabéns, produção!
Além da matéria sobre os samaritanos, outra reportagem digna do nome, muito interessante e bem escrita em primeira pessoa, conta a história do paulista Eliezer Ranieri, de 32 anos, que se converteu ao Islã, casou com a também brasileira muçulmana Latifa, com quem tem a filha Amirah, de 1 ano e 5 meses de idade, também nascida no Brasil.
Entre os muitos detalhes interessantes do artigo, destacamos o processo de conversão de Ranieri, o fato de sua mãe ser evangélica, os conflitos nem tão velados assim entre sunitas e xiitas dentro do Islã, e o estilo de vida iraniano.
Vale muito a pena ler:
Brasileiro convertido ao islã acha vida no Irã "maravilhosa"
SAMY ADGHIRNI
Convertido ao islã, o paulista Eliezer Ranieri, 32, decidiu se instalar com a família no santuário xiita de Qom, no interior do Irã, para garantir que sua filha de um ano e cinco meses tenha uma educação muçulmana. Estudante de teologia com bolsa iraniana, Eliezer rejeita a liberdade sexual no Brasil e considera que a brasileira tornou-se uma "mulher objeto". Ele diz que a nova vida no Irã é "maravilhosa".
Nasci em Ubatuba, em São Paulo, e me criei no Guarujá, filho de pai comerciante e mãe professora.
Meus irmãos e eu tivemos uma infância muito tranquila, brincando de esconde-esconde, mão na mula, queimada e outras brincadeiras tão boas e inocentes, apesar dos programas violentos, como "Jaspion" e "Changeman", que começaram a surgir no fim dos anos 80.
Meus pais não eram religiosos, e eu, como eles, acreditava em Deus sem ter religião. Mas, em fevereiro de 2001, me converti ao islã sunita na mesquita de Santos, com o apoio de uma família libanesa que me mostrou o Corão e me ensinou o alfabeto árabe.
Fui tocando minha vida, primeiro me formando em tecnologia ambiental e depois trabalhando na estação de tratamento de água da Riviera de São Lourenço.
Em 2009 passei a trabalhar na feira do Brás, em São Paulo. Em seguida, me casei com a Latifa, que conheci na mesquita. Nossa filhinha, Amirah, nasceu há um ano e cinco meses. É a nossa princesa, que é exatamente o significado do nome dela.
O problema do islã no Brasil é a influência wahabita [corrente sunita ultrarradical surgida na Arábia Saudita que inspirou a Al Qaeda de Osama bin Laden].
Os wahabitas propagam uma visão incorreta do islã, com ideias extremistas e opressão contra outras opções religiosas.
Tanto que, quando comecei a me interessar pelo islã xiita, muitos sunitas reagiram com hostilidade, chamando os xiitas de incrédulos. Essa experiência acabou me empurrando ainda mais para o xiismo.
Sete meses atrás, me tornei muçulmano xiita.
Logo em seguida, Deus pôs no nosso caminho a possibilidade de morar no Irã. Já vínhamos há algum tempo querendo sair do Brasil para educar nossa filha, inclusive fizemos planos de morar no Marrocos.
Até que surgiu a chance de eu iniciar estudos religiosos na universidade internacional de Qom, com uma pequena bolsa.
Era a chance ideal para criar nossa neném num ambiente islâmico adequado.
Minha mãe, que se tornou evangélica há alguns anos, chorou ao saber da mudança, pois Amirah é sua primeira netinha. Mas ela entendeu que estávamos migrando no caminho de Deus e acabou aceitando.
Ela e meu pai pesquisaram muito sobre o Irã e perceberam que o país é muito mais do que a questão nuclear ou a tensão com Israel.
Chegamos a Qom há dois meses. Estranhei um pouco o trânsito totalmente sem regras, mas nosso dia a dia aqui é maravilhoso.
O que mais prezo é a inocência da população, que não tem a maldade dos brasileiros. Quando ando até o ponto de ônibus, por exemplo, é muito comum algum desconhecido parar o carro e oferecer carona, algo impensável no Brasil.
Aqui a gente anda na rua sem medo de ter o relógio ou o dinheiro roubado.
O custo da vida é muito baixo. Minha bolsa mensal equivale a cerca de R$ 100, mas aqui tudo é tão barato.
O Irã não produz metade do que o Brasil produz e ainda assim consegue ter uma vida muito mais em conta. E o governo cuida da sua população, ao contrário da maioria dos outros países.
Para nossa filha é ótimo estarmos aqui.
No Brasil os valores morais estão invertidos. A criança na escola não respeita o professor, e a violência está em todo lugar.
Além disso, você ensina o certo, mas seu filho sai na rua e vê homem com homem, mulher com mulher, tudo permitido em nome da democracia e da liberdade.
No Brasil, a pessoa vai para uma balada, fica com alguém, acaba no motel e na semana seguinte faz a mesma coisa com outro parceiro.
O sexo antes do casamento cai na banalidade e prejudica a sociedade.
Por mais que as feministas digam que não, a mulher brasileira é, sim, um objeto.
Poder andar na rua pelada é uma liberdade falsa.
A brasileira sabe que, se ela não tiver um certo padrão de beleza, se sentirá inferior. Ela sabe que, se não mostrar o que tem, não conseguirá certas coisas.
Por que ela usa decote? Para mostrar que tem peito grande. Para se exibir como um troféu a ser conquistado por quem conseguir.
Não é isso que queremos para nossa filha.
Desde pequena, a chamamos para ficar pertinho na oração. Hoje ela já sabe quando é hora de fazer "Alá Akbar" [Deus é maior, frase pronunciada nas orações]. Ela se ajoelha e põe as mãozinhas na cabeça.
Mas ela não vai deixar de ser brasileira, e o português será sua língua principal.
Além disso, nosso plano é voltar a morar no Brasil dentro de uns dez anos, quando eu estiver formado e apto a mostrar o islã verdadeiro aos brasileiros.
Até lá, pretendo levá-la de vez em quando ao Brasil para ver a família.
Ela talvez estranhe o ambiente quando estiver com a família brasileira, mas ela verá qual o valor da mulher no nosso país, e espero que um dia nos agradeça pela nossa escolha.
Meu sonho é que ela construa uma família muçulmana. Mas também quero que ela passe por uma faculdade. O Corão incentiva muito os estudos.
Por mais que eu mostre o caminho certo e queira que ela tenha Deus no seu coraçãozinho, ela é quem vai decidir seu futuro. Amirah terá total liberdade para seguir seu caminho.
A gente faz a nossa parte, mas o futuro só Deus sabe.