E não é que de vez em quando a Folha de S. Paulo faz jornalismo de verdade, investigando seriamente e trazendo matérias interessantes e bem escritas?
A reportagem foi publicada ontem, 31/03/13. Ainda há esperança (para a Folha, talvez para os samaritanos):
Samaritanos lutam para não desaparecer
DIOGO BERCITO
ENVIADO ESPECIAL A KIRYAT LUZA (CISJORDÂNIA)
No começo do século 20, eles tiveram seu desaparecimento anunciado. Não havia, à época, mais de uma centena de samaritanos no mundo.
Após enganar o monstro da demografia, que os queria devorar, hoje eles são mais de 750, em duas cidadelas.
Mas esses que se dizem os verdadeiros israelitas bíblicos não baixam a guarda --a praga demográfica ainda os persegue, agora com a escassez de mulheres entre eles. A questão é agravada pela proibição ao casamento com seguidores de outros credos.
Com isso em mente, os anciões da comunidade passaram a permitir que os homens tragam mulheres de fora do povoado e da religião para convertê-las e assim estimular a natalidade.
Eles escolheram, via agências de matrimônio, em geral russas e ucranianas --que já caminham nas ruas levando os filhos pelas mãos, conforme a Folha testemunhou.
Pouco receptivos a estrangeiros, porém, alguns membros das sete famílias que moram em Kiryat Luza, uma das duas vilas samaritanas, dizem à reportagem não estar à vontade com a solução.
"Eu nunca me casaria com uma estrangeira", diz Breeto Cohen, 20. "Quando você faz isso, sai da religião", afirma.
As mulheres procuradas pela reportagem não quiseram ser entrevistadas. Uma delas, que disse se chamar Nataly, mora na casa do alto sacerdote do vilarejo.
"Muitos não gostam [da solução]", diz Abdullah, jovem muçulmano que trabalha como guia no museu de Kiryat Luza, onde moram 350 dos samaritanos. Os demais moram em Holon, perto de Tel Aviv. "Eles preferem as mulheres samaritanas."
O universitário Rida Altif, que reclama da dificuldade de encontrar uma namorada e da competição com os amigos, está aberto à opção. "Somos humanos. Eu me casaria com uma estrangeira."
Mas a alternativa tem uma condição, diz Dan Hakam, 16. "Elas têm de seguir as tradições como a gente."
MONTE SAGRADO
Kiryat Luza ocupa o topo do monte Gerizim, um cume seco despontando entre vilarejos árabes.
A vista é estratégica --embaixo, a cidade palestina de Nablus se esparrama no vale. Táxis fazem o caminho monte acima por R$ 7. Para descer, o preço é R$ 1,50.
Durante o dia, as ruas estão vazias. Um parquinho enferruja, abandonado. Há dois mercadinhos e uma tenda para bebidas alcoólicas --para suportar o vento gelado, dizem.
É para essa montanha que todos os samaritanos rumam em dias festivos. A religião pede que ritos sejam realizados apenas ali.
Gerizim é uma das principais divergências desse grupo em relação aos judeus. Para os samaritanos, foi no monte Gerizim que Abraão se prontificou a sacrificar seu filho Isaac. "Os judeus acreditam em Jerusalém", afirma Hakam. "Mas nós acreditamos nesta montanha."
A separação entre samaritanismo e judaísmo ocorreu no primeiro milênio antes de Cristo, quando judeus foram exilados em massa na Babilônia.
A religião que eles trouxeram de volta, dizem os samaritanos, foi corrompida durante o tempo de cativeiro, e não corresponde às crenças israelitas.
"Eles se referem a si mesmos como o 'verdadeiro Israel'", diz Terry Giles, teólogo da Universidade Gannon, nos EUA, que pesquisa a Bíblia samaritana. "Eles dizem preservar a religião", afirma.
Há afinidades entre as crenças de samaritanos, judeus, cristãos e muçulmanos --são todas religiões ditas "abraâmicas". Mas, isolados entre povos em conflito, os samaritanos tentam se manter distantes dos irmãos de fé.
"Os árabes pensam que somos judeus", afirma Cohen. "Eles nos agridem."
"Eles não são gentis", diz o motorista palestino que leva a reportagem de volta à cidade de Nablus --onde nem todos contam boas histórias sobre a vila samaritana, montanha acima. Mas a rivalidade entre os dois locais ignora as pesquisas genéticas e os estudos genealógicos que apontam que a população palestina de Nablus descende em parte de samaritanos convertidos durante o Império Otomano.