sábado, 27 de agosto de 2011

Historiador israelense critica identificação de Israel com religião


Os conflitos do Oriente Médio têm sido uma tônica desde o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação do Estado de Israel em 1948. De certa forma, continuam definindo os grandes embates que envolvem países que se dizem cristãos, judeus ou muçulmanos (de forma oficial ou não), tendo como força propulsora exatamente isto: a religião. Um ramo do cristianismo conhecido como dispensacionalismo, originário dos Estados Unidos no século XIX, tem na existência do Estado de Israel o motor do seu discurso escatológico, já que preveem a batalha do Armagedom com base no intricado jogo de rivalidades políticas, religiosas e históricas que têm como epicentro o território em que hoje está Israel e a Palestina. O estabelecimento do Estado de Israel seria, nesta visão, uma forma de "apressar" o Apocalipse. Por isso também, existe uma espécie de "alinhamento automático" de cristãos (sobretudo norteamericanos) com os propósitos políticos do Estado de Israel. Basta ver que, no Brasil, muitas igrejas que seguem práticas cada vez mais judaizantes do culto cristão, utilizam a bandeira de Israel como se ela, por si só, detivesse poderes místicos, sem nenhuma indagação racional sobre a veracidade e a conveniência deste ritual muito mais ideológico do que teológico. Diante deste barril de pólvora de múltiplos interesses desencontrados, sobra pouco ou nenhum espaço para perseguir aquilo que deveria ser realmente buscado com todas as forças: a paz em Jerusalém. É no mínimo curioso, portanto, que venha de um historiador israelense uma crítica contundente a essa visão belicista e apocalíptica, conforme noticia a Folha de S. Paulo:

Historiador israelense defende que povo judeu é invenção do sionismo

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO


Na carteira de identidade do historiador israelense Shlomo Sand, no lugar reservado à nacionalidade está escrito que ele é judeu.

Sand, 64, solicitou ao governo que seja identificado de outro modo, como israelense, porque acredita que não existe nem um povo nem uma nação judeus.

Seus motivos estão expostos em "A Invenção do Povo Judeu". Best-seller em Israel, traduzido para 21 idiomas e incensado pelo historiador Eric Hobsbawm, o livro chega agora ao Brasil (Benvirá).

O autor defende que não há uma origem única entre os judeus espalhados pelo mundo. A versão de que um povo hebreu foi expulso da Palestina há 2.000 anos e que os judeus de hoje são seus descendentes é, segundo Sand, um mito criado por historiadores no século 19 e desde então difundido pelo sionismo.

"Por que o sionismo define o judaísmo como um povo, uma nação, e não como uma religião? Acho que insistem em ser um povo para terem o direito sobre a terra. Povos têm direitos sobre terra, religiões não", diz à Folha, por telefone, de Paris.

"Na Idade Média a palavra povo se aplicava a religiões: o povo cristão, o povo de Deus. Hoje, aplicamos o termo a grupos humanos que têm uma cultura secular -língua, comida, música etc. Dizemos povo brasileiro, povo argentino, mas não povo cristão, povo muçulmano. Por que, então, povo judeu?"

Valendo-se de fontes e documentos históricos, a tese de Sand, ele mesmo admite no livro, não é em si nova (cita predecessores como Boaz Evron e Uri Ram). "Sintetizei, combinei evidências e testamentos que outros não fizeram, pus de outro modo."

Ele compara: até meados do século 20, "a maioria dos franceses achava que era descendente direto dos gauleses, os alemães dos teutões e os italianos, do império de Júlio César". "São todos mitos", afirma, "que ajudaram a criar nações no século 19".

Neste século 21, sustenta, não há mais lugar para isso.

"Não só o Brasil é uma grande mistura. A França, a Itália, a Inglaterra são. Somos todos misturados. Infelizmente há muitos judeus que se acham descendentes dos hebreus. Não me sinto assim. Gosto de ser uma mistura."

Filho de judeus, nascido num campo de refugiados na Áustria, o autor lutou do lado israelense contra os árabes na Guerra dos Seis Dias, em 67, quando o país ocupou Cisjordânia e faixa de Gaza.

Em seguida virou militante de extrema esquerda e passou a defender um Estado palestino junto ao de Israel.

Professor na Universidade de Tel Aviv e na França, onde passa parte do ano, o historiador avalia que as hostilidades entre israelenses e palestinos, reavivadas nas últimas semanas, continuarão por tempo indeterminado.

"Enquanto o Estado palestino não for reconhecido nas fronteiras de 67, acho que a violência não vai parar."

A INVENÇÃO DO POVO JUDEU
AUTOR Shlomo Sand
EDITORA Benvirá
TRADUÇÃO Eveline Bouteiller
QUANTO R$ 54,90 (576 págs.)

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