Os contribuintes (e eleitores) paulistas são tão bonzinhos: mesmo os que não usam diretamente os pedágios (mas pagam por eles nos preços embutidos nos produtos e serviços que consomem), todos vão pagar até morrer os prejuízos causados pela privatização das rodovias, e ainda deixarão aos seus filhos, netos e bisnetos, o prazer de continuar pagando os bilhões de reais dos prejuízos causados à DERSA. Como a cada ano que passa, o Estado de São Paulo perde participação no PIB em razão da fuga da indústria e dos serviços para Estados melhor administrados, a conta ficará ainda mais salgada e os pedágios mais rentáveis do mundo (para poucos) continuarão sendo pagos por milhões de paulistas, mesmo que o veículo do futuro seja uma espécie de jatinho espacial (ou finalmente inventem o teletransporte). A matéria é da Carta Capital:
A conta não ficou só nos pedágios
Rodrigo Martins
As privatizações das rodovias paulistas iniciadas no fim dos anos 1990 prometeram o céu: pistas melhores e menos gastos públicos. As estradas são realmente boas. Quanto à redução das despesas do governo… Basta ver a situação da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A), que operou as rodovias por 40 anos e hoje está em situação calamitosa. Em 2010, a empresa de economia mista vinculada à Secretaria Estadual de Logística e Transportes, apurou um prejuízo de 583 milhões de reais. Com esse resultado, o rombo acumulado pela companhia desde a sua fundação ultrapassou a marca dos 8,32 bilhões de -reais. No fim do ano passado, se a empresa tivesse de fechar as portas, o seu patrimônio não seria suficiente para quitar os débitos. Faltariam 967,2 milhões de reais para honrar todos os compromissos.
O cenário é ruim, mas, de acordo com uma auditoria da KPMG, poderia ser melhor caso o governo do estado tivesse quitado as indenizações que deve à empresa pelas rodovias que entregou à iniciativa privada com o Programa Estadual de Desestatização. A dívida soma 2,5 bilhões de reais. Esse valor, por sinal, seria bem maior hoje se a companhia não tivesse abdicado de cobrar juros e correção monetária sobre o débito. O prejuízo da Dersa em 2010, por exemplo, seria 40% menor, uma diferença de ao menos 240 milhões de reais, segundo os cálculos da KPMG.
Em 2009, a empresa perdeu a operação das últimas três estradas que controlava, encerrando uma história de 40 anos como concessionária de rodovias. A Ecopistas pagou 595 milhões de reais e prometeu investir outros 828 milhões para explorar, por 30 anos, o corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Já a rodovia D. Pedro I foi outorgada à concessionária Rota das Bandeiras por 1,39 bilhão de reais, mais investimentos de 2,1 bilhões até 2039. Como a Dersa poderia explorar esses corredores por mais 13 anos, ficou acertado que a empresa receberia 1,58 bilhão de reais a título de indenização no primeiro caso e 935 milhões no outro. A Dersa não sabe estimar quanto deixa de arrecadar em pedágios atualmente pela privatização dessas estradas. No último ano em que as operou por 12 meses completos, faturou 281 milhões.
O que chama mais a atenção no relatório da KPMG, datado de 29 de março, é a constatação de que “a continuidade das operações da companhia depende do aporte de recursos financeiros do governo do estado de São Paulo, seu principal acionista, e do recebimento das indenizações citadas anteriormente”. Além disso, o texto assinado pelo auditor Wagner Petelin levanta “dúvida significativa quanto à capacidade de continuidade operacional” da empresa. É por essa razão que o deputado Luiz Claudio Marcolino (PT), da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa de São Paulo, pretende incluir questionamentos sobre a saúde financeira da Dersa durante uma audiência a ser realizada no parlamento paulista. A oposição espera convocar o presidente da empresa, Laurence Casagrande Lourenço, para esclarecer o excesso de aditivos em obras da Dersa. “Os empreendimentos costumam terminar com um preço bem superior ao do contrato original e causa estranhamento saber que, apesar de estar à frente das maiores obras viárias do estado, a Dersa tenha acumulado prejuízos- tão elevados.”
De acordo com Márcio Cammarosano, professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os administradores da Dersa podem exigir o pagamento das indenizações devidas pelo governo paulista, mesmo sendo o estado o seu principal acionista. “Trata-se de uma empresa de economia mista, que também deve satisfações aos seus sócios privados. Se a Dersa tinha direito a explorar essas rodovias por mais tempo e foi impedida, deve ser ressarcida, porque isso pode afetar a economia interna da empresa”, avalia. É pouco provável, no entanto, que os sócios privados da companhia venham requerer alguma coisa. Eles detêm apenas 0,000001% das ações da Dersa. O restante pertence à Fazenda paulista. “Normalmente, numa situação como essa, a administração da empresa entra em acordo com o estado, o principal acionista.”
Por meio de nota, a Dersa diz ter solicitado ao Estado “autorização para converter em capital social a parcela do passivo não circulante, registrada como ‘adiantamento para futuro aumento de capital’”. Em outras palavras, o governo pode autorizar o aporte de 3,4 bilhões de reais para tapar o buraco contábil da empresa. “Tão logo sejamos autorizados pelo nosso acionista, faremos a atualização contábil e passaremos a uma situa-ção de patrimônio líquido positivo”.
Esse investimento, contudo, não diz respeito ao pagamento das indenizações devidas à Dersa pela privatização das rodovias, um débito que deve ser quitado pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER). A nota afirma ainda que a Dersa está negociando com o DER, mas informa que a empresa também possui dívidas com o órgão estadual, sem, no entanto, especificar esses valores. “Ao final das tratativas teremos um encontro de contas, com resultado positivo em favor da Dersa, e um plano de quitação desse débito”, completa o texto. Quanto à decisão de não cobrar juros e correção monetária correspondente às indenizações, a companhia alega ter agido em conformidade com o “princípio da prudência”, uma vez que “não existia naquele momento uma expectativa do correspondente ingresso financeiro imediato”.
Atualmente, a Dersa sobrevive com a receita das travessias de lanchas e ferry-boats que operam no litoral paulista e a prestação de serviços técnicos no campo da infraestrutura de transportes e logística, sobretudo no apoio a grandes projetos viários do governo. A empresa garante não ser dependente do Tesouro paulista, “o que significa que os aportes de capital do acionista são dirigidos somente a investimentos da empresa”. Por essa razão, as contas da Dersa não são registradas no Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo), mecanismo de controle dos gastos públicos aberto aos parlamentares. No fim, a empresa virou uma caixa-preta que não permite avaliar até que ponto as privatizações de rodovias prejudicaram a Dersa e, a despeito do pagamento das concessões, criaram, na prática, um rombo a ser coberto pelos cofres públicos.
O cenário é ruim, mas, de acordo com uma auditoria da KPMG, poderia ser melhor caso o governo do estado tivesse quitado as indenizações que deve à empresa pelas rodovias que entregou à iniciativa privada com o Programa Estadual de Desestatização. A dívida soma 2,5 bilhões de reais. Esse valor, por sinal, seria bem maior hoje se a companhia não tivesse abdicado de cobrar juros e correção monetária sobre o débito. O prejuízo da Dersa em 2010, por exemplo, seria 40% menor, uma diferença de ao menos 240 milhões de reais, segundo os cálculos da KPMG.
Em 2009, a empresa perdeu a operação das últimas três estradas que controlava, encerrando uma história de 40 anos como concessionária de rodovias. A Ecopistas pagou 595 milhões de reais e prometeu investir outros 828 milhões para explorar, por 30 anos, o corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Já a rodovia D. Pedro I foi outorgada à concessionária Rota das Bandeiras por 1,39 bilhão de reais, mais investimentos de 2,1 bilhões até 2039. Como a Dersa poderia explorar esses corredores por mais 13 anos, ficou acertado que a empresa receberia 1,58 bilhão de reais a título de indenização no primeiro caso e 935 milhões no outro. A Dersa não sabe estimar quanto deixa de arrecadar em pedágios atualmente pela privatização dessas estradas. No último ano em que as operou por 12 meses completos, faturou 281 milhões.
O que chama mais a atenção no relatório da KPMG, datado de 29 de março, é a constatação de que “a continuidade das operações da companhia depende do aporte de recursos financeiros do governo do estado de São Paulo, seu principal acionista, e do recebimento das indenizações citadas anteriormente”. Além disso, o texto assinado pelo auditor Wagner Petelin levanta “dúvida significativa quanto à capacidade de continuidade operacional” da empresa. É por essa razão que o deputado Luiz Claudio Marcolino (PT), da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa de São Paulo, pretende incluir questionamentos sobre a saúde financeira da Dersa durante uma audiência a ser realizada no parlamento paulista. A oposição espera convocar o presidente da empresa, Laurence Casagrande Lourenço, para esclarecer o excesso de aditivos em obras da Dersa. “Os empreendimentos costumam terminar com um preço bem superior ao do contrato original e causa estranhamento saber que, apesar de estar à frente das maiores obras viárias do estado, a Dersa tenha acumulado prejuízos- tão elevados.”
De acordo com Márcio Cammarosano, professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os administradores da Dersa podem exigir o pagamento das indenizações devidas pelo governo paulista, mesmo sendo o estado o seu principal acionista. “Trata-se de uma empresa de economia mista, que também deve satisfações aos seus sócios privados. Se a Dersa tinha direito a explorar essas rodovias por mais tempo e foi impedida, deve ser ressarcida, porque isso pode afetar a economia interna da empresa”, avalia. É pouco provável, no entanto, que os sócios privados da companhia venham requerer alguma coisa. Eles detêm apenas 0,000001% das ações da Dersa. O restante pertence à Fazenda paulista. “Normalmente, numa situação como essa, a administração da empresa entra em acordo com o estado, o principal acionista.”
Por meio de nota, a Dersa diz ter solicitado ao Estado “autorização para converter em capital social a parcela do passivo não circulante, registrada como ‘adiantamento para futuro aumento de capital’”. Em outras palavras, o governo pode autorizar o aporte de 3,4 bilhões de reais para tapar o buraco contábil da empresa. “Tão logo sejamos autorizados pelo nosso acionista, faremos a atualização contábil e passaremos a uma situa-ção de patrimônio líquido positivo”.
Esse investimento, contudo, não diz respeito ao pagamento das indenizações devidas à Dersa pela privatização das rodovias, um débito que deve ser quitado pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER). A nota afirma ainda que a Dersa está negociando com o DER, mas informa que a empresa também possui dívidas com o órgão estadual, sem, no entanto, especificar esses valores. “Ao final das tratativas teremos um encontro de contas, com resultado positivo em favor da Dersa, e um plano de quitação desse débito”, completa o texto. Quanto à decisão de não cobrar juros e correção monetária correspondente às indenizações, a companhia alega ter agido em conformidade com o “princípio da prudência”, uma vez que “não existia naquele momento uma expectativa do correspondente ingresso financeiro imediato”.
Atualmente, a Dersa sobrevive com a receita das travessias de lanchas e ferry-boats que operam no litoral paulista e a prestação de serviços técnicos no campo da infraestrutura de transportes e logística, sobretudo no apoio a grandes projetos viários do governo. A empresa garante não ser dependente do Tesouro paulista, “o que significa que os aportes de capital do acionista são dirigidos somente a investimentos da empresa”. Por essa razão, as contas da Dersa não são registradas no Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo), mecanismo de controle dos gastos públicos aberto aos parlamentares. No fim, a empresa virou uma caixa-preta que não permite avaliar até que ponto as privatizações de rodovias prejudicaram a Dersa e, a despeito do pagamento das concessões, criaram, na prática, um rombo a ser coberto pelos cofres públicos.