São muitas as leituras que podem ser feitas (todas elas muito interessantes) a partir da informação do IBGE – recentemente divulgada pela Folha de S. Paulo (vide matéria abaixo) - que dá conta de um extraordinário crescimento do número de brasileiros que se identificam como evangélicos SEM vínculo com nenhuma denominação em particular, os “desigrejados”, por assim dizer.
O contingente populacional que se enquadra nesta definição é hoje estimado em cerca de 4 milhões de pessoas.
A matéria foi publicada no último dia 15 de agosto, e passei alguns dias refletindo sobre o tema, que evoca ideias nas quais venho trabalhando há alguns anos e já foram abordadas em vários tópicos deste blog, e aproveito a deixa para pincelá-las novamente, com as seguintes observações:
1) Lembro-me da experiência de um líder de uma igreja tradicional de uma cidade pequena no interior paulista, que estava desgostoso com os rumos de sua denominação no meio dos anos 1980, e, influenciado por pregadores pentecostais itinerantes, decidiu sair da sua igreja, levando junto cerca de 20 pessoas, para formar uma nova igreja que lhe parecia mais adequada ao seu pensamento. No início daquele trabalho, conversando comigo e outro irmão, ele nos disse que havia decidido ser pentecostal porque só as igrejas pentecostais estavam crescendo, ou seja, o pentecostalismo “funciona”. Depois que ele se afastou, o irmão que estava comigo comentou sarcasticamente: “se o critério é este, a umbanda também cresce, mas nem por isso vamos montar um novo terreiro”. A fala do pastor neopentecostal revelava um fenômeno nascente que ainda levaríamos anos para reconhecer pelo verdadeiro nome: o utilitarismo, que é o grande movimento filosófico que move o mundo desde o fim do século XIX e esteve por trás de todas as divisões de igreja e surgimento de novas denominações nas últimas décadas, inclusive naquela nova igreja do pastor em questão, que também se dividiu várias vezes e hoje – quase 30 anos depois - permanece com um número relativamente pequeno de membros. Será que valeu a pena a divisão? Tanto a primeira como as subsequentes divisões foram causadas, na verdade, pela terrível pergunta que os novos (e insatisfeitos) líderes iam se fazendo: “isto funciona?”. Se – na visão deles – não funcionasse, eles tratavam de sair da igreja e fundar outra, replicando as nocivas experiências anteriores que só levam ao esfacelamento do corpo de Cristo, com muitos feridos abandonados pelo caminho. Isto tem nome, e hoje sabemos que não é cristianismo, mas sim utilitarismo. Nesta macabra visão, pessoas e igrejas só são válidas enquanto são úteis. Se deixam de sê-lo, devem ser descartadas.
2) Longe vai o tempo em que andar com uma Bíblia debaixo do braço num domingo de manhã era se candidatar a ser motivo de chacota daqueles que não eram evangélicos. Para ser crente era necessário se submeter ao constrangimento causado pelos comentários depreciativos de parentes e amigos. Hoje, ao ritmo de chavões (mantras) e músicas gospel, está na moda ser evangélico. Basta colocar um adesivo “Deus é fiel” ou “Propriedade de Jesus” no carro, que as portas dadivosas do céu já se abrem na imaginação de quem os utiliza. Participar de “correntes” de prosperidade, repetir expressões como “tá amarrado” ou “em nome de Jesus”, cantar e ouvir “Como Zaqueu” à exaustão, são atitudes corriqueiras, mas que desaparecem ao menor sinal de problemas. As pessoas se “apaixonam” por uma ideia de religião de fachada, mas perdem completamente o chão quando as tempestades da vida se aproximam. Da mesma maneira que renovam seu guarda-roupa, trocam de crença (e de igreja, às vezes) ao sabor dos ventos da constatação (inconsciente, na maioria das vezes) de que sua fé é só fashion.
3) Alguns anos atrás, conversando com uma pessoa que participava de uma mega-igreja, ela se gabava de que havia 5.000 jovens integrados nos diferentes ministérios da organização, e se surpreendeu quando eu perguntei quantos deles eram convertidos. Para ela, não havia essa distinção, pois o simples fato de participar das atividades de um grupo religioso já era garantia mais que suficiente de que a pessoa satisfazia todos os requisitos bíblicos que identificam um cristão. De fato, para muitos líderes de hoje, o que importa são cifras e cifrões, e não se preocupam nem um pouco em ensinar aos novos convertidos os rudimentos da fé e prepará-los para os muitos desafios da vida cristã, até para que eles saibam em que terreno estão pisando. Quantidade, e não qualidade, é o que os anima, em clamoroso contraste com o desânimo que acomete seus seguidores quando nem tudo sai como eles esperavam. Na parábola das 100 ovelhas (Lucas 15:4), o pastor deixa as 99 no aprisco e sai em busca daquela que se perdeu, mas em muitas igrejas atuais, ninguém vai atrás de uma ovelha desgarrada se três ou quatro entraram no seu lugar.
4) Em decorrência do quesito anterior, as estatísticas são feitas única e exclusivamente para contar (e alardear) o número de pessoas que chegam na igreja, e pouca ou nenhuma importância se dá ao número daqueles que saem. O conceito de crescimento vegetativo populacional (positivo ou negativo) é não só desconhecido como também evitado. A igreja está cheia, mas quantos foram embora? O que se diria, então, das razões que os levaram a abandonar o barco? Quantos dos que saíram ainda se identificam como “evangélicos”? Aliás, as estatísticas do IBGE apontam 4 milhões de “desigrejados” que ainda se dizem evangélicos, mas não há qualquer referência a quem passou pela igreja e não se considera mais “evangélico”. Este é um dado que mereceria uma melhor análise por quem se dispuser a fazer novas pesquisas na área. É muito comum perguntar aos críticos do “oba-oba cóspel” quantas pessoas eles já levaram a Cristo (entendendo-se por “Cristo” aí a “igreja do pastor Fulano”), mas nunca ninguém ouviu alguém perguntando ao pastor ou a algum irmão quantas pessoas foram afastadas de Cristo pelas atitudes ou pela pregação dele. Esta sim é uma pergunta extremamente didática e terapêutica; pena que nunca é formulada. Deixa, portanto, de ser respondida, mas suspeito no meu íntimo que um dia Deus dela pedirá conta de cada um de nós. Enquanto este dia não chega, outra suspeita merece ser investigada. Ao que parece, estamos vendo um “inchaço” da igreja evangélica no Brasil, e não exatamente um crescimento responsável e sustentável, não só numérico mas principalmente espiritual.
5) A palavra “evangélico” é atualmente um termo muito mais ideológico do que teológico, como já tivemos oportunidade de comentar neste blog em outras ocasiões. Basta ver o estranho “milagre” da multiplicação de partidos e políticos “evangélicos”, como se o rebanho de ovelhas alcançadas e remidas por Jesus fosse um patrimônio eleitoral, um verdadeiro curral, que pudesse ser negociado ao sabor dos acordos espúrios feitos por líderes da igreja com candidatos às vésperas das eleições em suas alianças de ocasião. Para muitas pessoas de dentro e fora da igreja, ser “evangélico” no Brasil de hoje significa aderir a uma série de posições ideológicas pré-definidas e impostas de cima para baixo, e não mais participar de uma comunidade de pecadores remidos e lavados pelo sangue de Jesus Cristo. Existe um número considerável de pessoas que se identificam como “evangélicos”, mas na verdade usam mais um jargão ideológico espiritualizado de “direita” (maioria) ou “esquerda” (em extinção), que apresentam à Igreja como o mais refinado e atualizado discurso histérico que deve ser repetido (e votado) por todos, vociferando o fogo do inferno aos que ousarem não comungar de sua posição.
6) Há também aqueles que vivem em função de uma “estratégia mercadológica” da igreja, estabelecendo um determinado “público-alvo” ao qual direcionam a sua pregação, não mais dirigida aos “pecadores” em geral. O próprio abuso reiterado da palavra "estratégia" nos púlpitos revela esta tendência. É a tristemente famosa “igreja ao gosto do freguês”, constituída para agradar ouvidos carentes de uma mensagem positiva de autoajuda nos momentos de dor e de crise financeira. Além das igrejas destinadas a nichos específicos, existe uma espécie de “empreendedorismo gospel” com uma profusão de “reuniões” e “congressos” empresariais realizados sob o patrocínio da denominação. Estranhamente, não há mais pobres no seio da igreja, não porque eles não existam, mas são sumariamente excluídos da vista da congregação, pois não fica bem cuidar de alguém que não se veste bem ou não tem o que dar de comer aos seus filhos. Isto depõe contra a ideologia da prosperidade pregada no púlpito. Quando a pessoa sai do templo, entretanto, ela se depara com uma realidade de dor e de miséria muito diferente, e – ainda que inconscientemente – estranha por não ver este universo representado dentro da igreja. Por isso é importante que apareça nas estatísticas o número de pessoas que são atraídas por este discurso consumista customizado, ficam na igreja por algum tempo e depois somem para nunca mais voltar. A "higienização" do templo e da congregação fez com que valores essenciais do evangelho como amor, caridade, piedade, misericórdia, solidariedade, serviço cristão enfim, foram varridos para a lata de lixo mais distante possível.
7) Apesar de toda essa balbúrdia a respeito de números, ainda há muita gente que incentiva a evangelização com fundamento no “ide!” e nas palavras de Jesus, a saber, “pelos frutos os conhecereis” (Mateus 7:20) e “eu vos designei para que vades e deis frutos” (João 15:16), o que é legítimo e saudável para o crescimento da igreja, mas se esconde - inexplicavelmente - a sequência do versículo de João 15:16, que é: “e o vosso fruto permaneça”. Para Jesus, portanto, não basta dar frutos, no sentido de acrescentar números à membresia da Igreja, o que é relativamente fácil diante da “moda gospel” atual, mas é preciso se certificar de que eles permaneçam. Não por acaso, Jesus emprega 13 diferentes formas do verbo “permanecer” no seu discurso do capítulo 15 de João. Tamanha ênfase na permanência dos frutos, entretanto, tem sido solenemente negligenciada pela Igreja, na sua ânsia em apresentar resultados mensuráveis que agradem o ego de poucos e ensejem a celebração histérica do inchaço da congregação, em vez de gerar cristãos honestos e sinceros que permaneçam não só no templo, mas sobretudo na fé.
Que Deus tenha misericórdia de nós!
Matéria da Folha de S. Paulo de 15/08/11:
O contingente populacional que se enquadra nesta definição é hoje estimado em cerca de 4 milhões de pessoas.
A matéria foi publicada no último dia 15 de agosto, e passei alguns dias refletindo sobre o tema, que evoca ideias nas quais venho trabalhando há alguns anos e já foram abordadas em vários tópicos deste blog, e aproveito a deixa para pincelá-las novamente, com as seguintes observações:
1) Lembro-me da experiência de um líder de uma igreja tradicional de uma cidade pequena no interior paulista, que estava desgostoso com os rumos de sua denominação no meio dos anos 1980, e, influenciado por pregadores pentecostais itinerantes, decidiu sair da sua igreja, levando junto cerca de 20 pessoas, para formar uma nova igreja que lhe parecia mais adequada ao seu pensamento. No início daquele trabalho, conversando comigo e outro irmão, ele nos disse que havia decidido ser pentecostal porque só as igrejas pentecostais estavam crescendo, ou seja, o pentecostalismo “funciona”. Depois que ele se afastou, o irmão que estava comigo comentou sarcasticamente: “se o critério é este, a umbanda também cresce, mas nem por isso vamos montar um novo terreiro”. A fala do pastor neopentecostal revelava um fenômeno nascente que ainda levaríamos anos para reconhecer pelo verdadeiro nome: o utilitarismo, que é o grande movimento filosófico que move o mundo desde o fim do século XIX e esteve por trás de todas as divisões de igreja e surgimento de novas denominações nas últimas décadas, inclusive naquela nova igreja do pastor em questão, que também se dividiu várias vezes e hoje – quase 30 anos depois - permanece com um número relativamente pequeno de membros. Será que valeu a pena a divisão? Tanto a primeira como as subsequentes divisões foram causadas, na verdade, pela terrível pergunta que os novos (e insatisfeitos) líderes iam se fazendo: “isto funciona?”. Se – na visão deles – não funcionasse, eles tratavam de sair da igreja e fundar outra, replicando as nocivas experiências anteriores que só levam ao esfacelamento do corpo de Cristo, com muitos feridos abandonados pelo caminho. Isto tem nome, e hoje sabemos que não é cristianismo, mas sim utilitarismo. Nesta macabra visão, pessoas e igrejas só são válidas enquanto são úteis. Se deixam de sê-lo, devem ser descartadas.
2) Longe vai o tempo em que andar com uma Bíblia debaixo do braço num domingo de manhã era se candidatar a ser motivo de chacota daqueles que não eram evangélicos. Para ser crente era necessário se submeter ao constrangimento causado pelos comentários depreciativos de parentes e amigos. Hoje, ao ritmo de chavões (mantras) e músicas gospel, está na moda ser evangélico. Basta colocar um adesivo “Deus é fiel” ou “Propriedade de Jesus” no carro, que as portas dadivosas do céu já se abrem na imaginação de quem os utiliza. Participar de “correntes” de prosperidade, repetir expressões como “tá amarrado” ou “em nome de Jesus”, cantar e ouvir “Como Zaqueu” à exaustão, são atitudes corriqueiras, mas que desaparecem ao menor sinal de problemas. As pessoas se “apaixonam” por uma ideia de religião de fachada, mas perdem completamente o chão quando as tempestades da vida se aproximam. Da mesma maneira que renovam seu guarda-roupa, trocam de crença (e de igreja, às vezes) ao sabor dos ventos da constatação (inconsciente, na maioria das vezes) de que sua fé é só fashion.
3) Alguns anos atrás, conversando com uma pessoa que participava de uma mega-igreja, ela se gabava de que havia 5.000 jovens integrados nos diferentes ministérios da organização, e se surpreendeu quando eu perguntei quantos deles eram convertidos. Para ela, não havia essa distinção, pois o simples fato de participar das atividades de um grupo religioso já era garantia mais que suficiente de que a pessoa satisfazia todos os requisitos bíblicos que identificam um cristão. De fato, para muitos líderes de hoje, o que importa são cifras e cifrões, e não se preocupam nem um pouco em ensinar aos novos convertidos os rudimentos da fé e prepará-los para os muitos desafios da vida cristã, até para que eles saibam em que terreno estão pisando. Quantidade, e não qualidade, é o que os anima, em clamoroso contraste com o desânimo que acomete seus seguidores quando nem tudo sai como eles esperavam. Na parábola das 100 ovelhas (Lucas 15:4), o pastor deixa as 99 no aprisco e sai em busca daquela que se perdeu, mas em muitas igrejas atuais, ninguém vai atrás de uma ovelha desgarrada se três ou quatro entraram no seu lugar.
4) Em decorrência do quesito anterior, as estatísticas são feitas única e exclusivamente para contar (e alardear) o número de pessoas que chegam na igreja, e pouca ou nenhuma importância se dá ao número daqueles que saem. O conceito de crescimento vegetativo populacional (positivo ou negativo) é não só desconhecido como também evitado. A igreja está cheia, mas quantos foram embora? O que se diria, então, das razões que os levaram a abandonar o barco? Quantos dos que saíram ainda se identificam como “evangélicos”? Aliás, as estatísticas do IBGE apontam 4 milhões de “desigrejados” que ainda se dizem evangélicos, mas não há qualquer referência a quem passou pela igreja e não se considera mais “evangélico”. Este é um dado que mereceria uma melhor análise por quem se dispuser a fazer novas pesquisas na área. É muito comum perguntar aos críticos do “oba-oba cóspel” quantas pessoas eles já levaram a Cristo (entendendo-se por “Cristo” aí a “igreja do pastor Fulano”), mas nunca ninguém ouviu alguém perguntando ao pastor ou a algum irmão quantas pessoas foram afastadas de Cristo pelas atitudes ou pela pregação dele. Esta sim é uma pergunta extremamente didática e terapêutica; pena que nunca é formulada. Deixa, portanto, de ser respondida, mas suspeito no meu íntimo que um dia Deus dela pedirá conta de cada um de nós. Enquanto este dia não chega, outra suspeita merece ser investigada. Ao que parece, estamos vendo um “inchaço” da igreja evangélica no Brasil, e não exatamente um crescimento responsável e sustentável, não só numérico mas principalmente espiritual.
5) A palavra “evangélico” é atualmente um termo muito mais ideológico do que teológico, como já tivemos oportunidade de comentar neste blog em outras ocasiões. Basta ver o estranho “milagre” da multiplicação de partidos e políticos “evangélicos”, como se o rebanho de ovelhas alcançadas e remidas por Jesus fosse um patrimônio eleitoral, um verdadeiro curral, que pudesse ser negociado ao sabor dos acordos espúrios feitos por líderes da igreja com candidatos às vésperas das eleições em suas alianças de ocasião. Para muitas pessoas de dentro e fora da igreja, ser “evangélico” no Brasil de hoje significa aderir a uma série de posições ideológicas pré-definidas e impostas de cima para baixo, e não mais participar de uma comunidade de pecadores remidos e lavados pelo sangue de Jesus Cristo. Existe um número considerável de pessoas que se identificam como “evangélicos”, mas na verdade usam mais um jargão ideológico espiritualizado de “direita” (maioria) ou “esquerda” (em extinção), que apresentam à Igreja como o mais refinado e atualizado discurso histérico que deve ser repetido (e votado) por todos, vociferando o fogo do inferno aos que ousarem não comungar de sua posição.
6) Há também aqueles que vivem em função de uma “estratégia mercadológica” da igreja, estabelecendo um determinado “público-alvo” ao qual direcionam a sua pregação, não mais dirigida aos “pecadores” em geral. O próprio abuso reiterado da palavra "estratégia" nos púlpitos revela esta tendência. É a tristemente famosa “igreja ao gosto do freguês”, constituída para agradar ouvidos carentes de uma mensagem positiva de autoajuda nos momentos de dor e de crise financeira. Além das igrejas destinadas a nichos específicos, existe uma espécie de “empreendedorismo gospel” com uma profusão de “reuniões” e “congressos” empresariais realizados sob o patrocínio da denominação. Estranhamente, não há mais pobres no seio da igreja, não porque eles não existam, mas são sumariamente excluídos da vista da congregação, pois não fica bem cuidar de alguém que não se veste bem ou não tem o que dar de comer aos seus filhos. Isto depõe contra a ideologia da prosperidade pregada no púlpito. Quando a pessoa sai do templo, entretanto, ela se depara com uma realidade de dor e de miséria muito diferente, e – ainda que inconscientemente – estranha por não ver este universo representado dentro da igreja. Por isso é importante que apareça nas estatísticas o número de pessoas que são atraídas por este discurso consumista customizado, ficam na igreja por algum tempo e depois somem para nunca mais voltar. A "higienização" do templo e da congregação fez com que valores essenciais do evangelho como amor, caridade, piedade, misericórdia, solidariedade, serviço cristão enfim, foram varridos para a lata de lixo mais distante possível.
7) Apesar de toda essa balbúrdia a respeito de números, ainda há muita gente que incentiva a evangelização com fundamento no “ide!” e nas palavras de Jesus, a saber, “pelos frutos os conhecereis” (Mateus 7:20) e “eu vos designei para que vades e deis frutos” (João 15:16), o que é legítimo e saudável para o crescimento da igreja, mas se esconde - inexplicavelmente - a sequência do versículo de João 15:16, que é: “e o vosso fruto permaneça”. Para Jesus, portanto, não basta dar frutos, no sentido de acrescentar números à membresia da Igreja, o que é relativamente fácil diante da “moda gospel” atual, mas é preciso se certificar de que eles permaneçam. Não por acaso, Jesus emprega 13 diferentes formas do verbo “permanecer” no seu discurso do capítulo 15 de João. Tamanha ênfase na permanência dos frutos, entretanto, tem sido solenemente negligenciada pela Igreja, na sua ânsia em apresentar resultados mensuráveis que agradem o ego de poucos e ensejem a celebração histérica do inchaço da congregação, em vez de gerar cristãos honestos e sinceros que permaneçam não só no templo, mas sobretudo na fé.
Que Deus tenha misericórdia de nós!
Matéria da Folha de S. Paulo de 15/08/11:
Cresce o número de evangélicos sem ligação com igrejas
ANTÔNIO GOIS
DO RIO
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
Especialistas dizem que processo pode ser análogo ao de quem se identifica como 'católico não praticante'
Pesquisa mostra que, entre 2003 e 2009, fatia de fiéis que dizem não ter vínculo institucional saltou de 4% para 14%
Pesquisa mostra que, entre 2003 e 2009, fatia de fiéis que dizem não ter vínculo institucional saltou de 4% para 14%
Verônica de Oliveira, 31, foi batizada católica e vai à missa aos domingos. No entanto, moradora do morro Santa Marta, no Rio, é vista com frequência também nos cultos das igrejas evangélicas Deus é Amor e Nova Vida.Quando questionada sobre sua filiação, dispara: "Nem eu sei explicar direito. Acho que Deus é um só".
Em cada igreja, ela gosta de uma característica. Na Católica, são os folhetos distribuídos na missa. Na Deus é Amor, "um pastor que fala uma língua meio doida".
Na Nova Vida, aprecia o fato de lerem bastante a Bíblia. Mais do que trair hesitações teológicas, casos como o de Verônica, de "religiosos genéricos", que não se prendem a uma denominação, crescem nas estatísticas.
Um bom indício do fenômeno surge nos dados sobre religião da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), do IBGE, que pesquisou o tema em 2003 e 2009. No período, só entre evangélicos, a fatia dos que se disseram sem vínculo institucional foi de 4% para 14% -um salto de mais de 4 milhões de pessoas.
Entram nesse balaio, além de multievangélicos como Verônica, pessoas que não se sentem ligadas a nenhuma igreja específica, mas não deixaram de considerar-se evangélicos, em processo análogo ao dos chamados "católicos não praticantes".
A intensidade exata do fenômeno só será conhecida quando saírem dados de religião do Censo de 2010.
No entanto, para especialistas consultados pela Folha, a pesquisa, feita a partir de amostra de 56 mil entrevistas, é suficiente para dar boas pistas do movimento.
O pesquisador Ricardo Mariano, da PUC-RS, reconhece que vem ocorrendo aumento de protestantes e pentecostais sem vínculos institucionais, ainda que ele tenha dúvidas se o crescimento foi mesmo tão intenso quanto o revelado pelo IBGE.
INDIVIDUALISMO
Para ele, a desinstitucionalização é resultado do individualismo e da busca de autonomia diante de instituições que defendem valores extemporâneos e exigem elevados custos de seus filiados.
De acordo com o professor, parte dos evangélicos adota o "Believing without belonging" (crer sem pertencer), expressão cunhada pela socióloga britânica Grace Davie sobre o esvaziamento das igrejas ao mesmo tempo em que se mantêm as crenças religiosas na Europa Ocidental.
Para a antropóloga Regina Novaes, uma pergunta que a pesquisa levanta é se este "evangélico genérico" tem semelhanças com o católico não praticante. Para ela, "ambos usufruem de rituais e serviços religiosos mas se sentem livres para ir e vir".
Diana Lima, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, levanta outra hipótese: "Minha suspeita é que as distinções denominacionais talvez não façam para a população o mesmo sentido que fazem para religiosos e cientistas sociais. Tendo um Jesus Cristo ali para iluminar o ambiente, está tudo certo".
Os dados do IBGE também confirmam tendências registradas na década passada, como a queda da proporção de católicos e protestantes históricos e alta dos sem religião e neopentecostais.
No caso dos sem religião, eles foram de 5,1% da população para 6,7%. Embora a categoria seja em geral identificada com ateus e agnósticos, pode incluir quem migra de uma fé para outra ou criou seu próprio "blend" de crenças -o que reforça a tese da desinstitucionalização.
Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE, o que está ocorrendo é um processo de democratização religiosa, "com todos os problemas da democracia".
O maior perdedor é a Igreja Católica, que ficou sem seu monopólio. Segundo Alves, ela vai ceder mais terreno, porque os católicos se concentram nas parcelas de menor dinamismo demográfico.
Já os evangélicos ainda vão crescer muito, garante o demógrafo, pois ganham entre as parcelas da população que têm maior fecundidade.
Outro dado interessante da POF é que aumentou o número dos que declararam uma religião não identificada pelos pesquisadores, o que indica que na década passada mais igrejas surgiram e passaram a disputar o "supermercado da fé", na expressão depreciativa utilizada pelo papa Bento 16.
Por ser amplo, o levantamento permite também identificar, denominação por denominação, o tamanho de cada igreja.
A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, registrou queda de 24% no número de fiéis. O recuo pode estar relacionado com a criação de igrejas dissidentes.
Ao analisar os números, porém, os pesquisadores consultados dizem que é preciso esperar o Censo para confirmar esse movimento.