Está mais do que na hora do Vaticano rever, digamos, seus "métodos operacionais", a se confirmar a notícia que chega do Reino Unido sobre a assombrosa história de hospitais na Espanha. A terrível história não é nem novidade em terras católicas, já que existe uma versão também antiga do "hospital de horrores da Irlanda", em que mortes de crianças eram associadas à pedofilia. Um documentário da BBC, entretanto, revela que cerca de 300.000 bebês espanhóis - nascidos em hospitais ligados à Igreja Católica espanhola - foram roubados de suas mães e vendidos a outras famílias, desde a época da ditadura de Franco, que começou no fim dos anos 1930, até os anos 1990, perfazendo algo em torno de cinco décadas de horror. O tráfico de bebês era levado a cabo por médicos, padres e freiras que, ao perceber que se tratava de uma mãe solteira ou um casal muito jovem sem condições de sustentar o recém-nascido (segundo o juízo deles, obviamente), inventavam uma mentira qualquer para dizer que o bebê havia morrido ao nascer, não entregavam o suposto corpo, enterravam ossos de animais e adultos no lugar da criança, e vendiam o rebento a casais que tinham condições financeiras não só de comprar o bebê, como de lhe dar um futuro melhor do que aquele que os traficantes, na sua delirante arrogância, imaginavam que ele teria se fosse criado pelos pais biológicos (ou apenas pela mãe biológica jovem e carente). Era esta a justificativa que servia de paliativo para as suas consciências, esquecendo-se convenientemente do lucro que esta mórbida prática criminosa lhes gerava. Há registro de preços que equivaliam, à época, àqueles cobrados por um apartamento pequeno. Os pais adotivos registravam os filhos diretamente em seus nomes, evitando assim qualquer processo regular de adoção pelas leis espanholas, já que até 1987 eram os próprios hospitais que tinham uma enorme autonomia ao decidir sobre os processos de adoção, o que permitiu toda sorte de abusos. Provavelmente a maioria dos pais substitutos não sabia que os bebês haviam sido roubados de outras pessoas naquelas condições escabrosas de um verdadeiro "estelionato genético", nem de que eles estavam servindo como inocentes úteis para acobertar a rede criminosa patrocinada por religiosos católicos. Isso, entretanto, não os exime do fato de que sabiam, é claro, que estavam pagando por um privilégio ilícito na adoção das crianças, mas tudo indica que eles sabiam da missa apenas a metade.
Durante muitas décadas, as mães que suspeitavam da versão oficial da morte de seus filhos, que lhe havia sido contada pela direção dos hospitais católicos envolvidos, foram consideradas histéricas ou loucas, tudo na tentativa de abafar qualquer possibilidade de investigação sobre o caso. O incrível esquema criminoso só começou a ser desvendado quando dois homens já adultos, Antonio Barroso e Juan Luis Moreno, descobriram que haviam sido comprados pelas pessoas que julgavam ser seus pais biológicos. Ao tornarem públicas suas dúvidas e investigações, os muitos pontos dessa gigantesca tragédia social começaram a se juntar e agora é mostrado ao mundo todo pela BBC que no documentário "This World: Spain’s Stolen Babies" ("Este Mundo: Os Bebês Roubados da Espanha"), que acompanha a história de Randy Ryder, um americano que hoje tem 40 anos de idade e foi criado no Texas, em busca das suas verdadeiras origens espanholas, o que o levou a conhecer Manoli Pagador, uma hoje idosa senhora que pode ser a sua mãe biológica que teve o bebê roubado, hipótese que poderá (ou não) ser comprovada mediante um exame de DNA, que é aliás, o que já estão fazendo várias famílias na expectativa de se reunirem aos seus filhos roubados. Como a lei de anistia espanhola, aprovada no fim da ditadura fascista de Franco, abrange a maioria dos crimes cometidos pelo esquema, eximindo-os de punição, o Ministério Público espanhol está analisando caso a caso, e o governo e a sociedade espanhola se movimentam a fim de dar o melhor tratamento possível a esta barbárie e - obviamente - minimizar os graves estragos já causados.
Fonte: Daily Mail