domingo, 16 de outubro de 2011

O calvário do ateu

O conhecido militante do neoateísmo Christopher Hitchens segue sua luta contra a morte, conforme já foi divulgado aqui no blog, mais especificamente nos textos "Um ateu diante da morte" e "Ateu Christopher Hitchens pode ser "salvo" por adversário cristão". O Estadão de hoje traduz e publica um artigo muito interessante do The New York Times sobre o estágio atual de saúde de Hitchens, por ocasião do prêmio Freethinker of the Year ("Livre Pensador do Ano") que ele acaba de receber. Destaque para a sua postura preocupada com a, digamos, "institucionalização" do ateísmo como religião, constatação sábia, sóbria e constantemente reiterada de Hitchens (veja "Seria o neoateísmo uma antiga religião?") que fica muito evidente no último parágrafo - en especial na última frase - do artigo:

A VIDA PELA ESCRITA

Em tratamento contra um câncer, Christopher Hitchens fala de carreira e morte

CHARLES MCGRATH , THE NEW YORK TIMES , HOUSTON - O Estado de S.Paulo

Christopher Hitchens, o mais famoso ateu dos EUA, recebeu o prêmio Freethinker of the Year na convenção anual da Atheist Alliance of America. Alguns dias antes, disse ter ficado lisonjeado com a honra, mas também um pouco constrangido. "Não estou certo de que precisamos ser homenageados por conta do ateísmo. Não necessitamos de reforço positivo. Por outro lado, temos que nos defender, especialmente num lugar como o Texas."

Hitchens, um prolífico ensaísta e autor de Deus Não É Grande, descobriu em junho de 2010 que estava com câncer em estado avançado no esôfago. Abreviou sua agenda repleta de aparições em público, mas na semana passada abriu uma exceção a pedido da Atheist Alliance - em parte porque a homenagem coincidiu com o dia de sua mudança, há 30 anos, da Inglaterra, onde nasceu, para os EUA. Ele já estava em Houston para se submeter a um tratamento, tendo transformado seu quarto no 12º andar de um hospital em biblioteca.

Hitchens não tem mais aquela antiga corpulência. Sua voz está mais branda do que costuma ser e pela segunda vez desde o início do tratamento, perdeu quase todo o cabelo. Outrora um fumante inveterado, renunciou ao vício. Não tem bebido desde julho, quando um tubo gástrico foi colocado no seu estômago para ele se alimentar. "Este é o aspecto mais deprimente", disse ele. "O paladar desapareceu. Nem mesmo quero comer. É incrível com o que você tem que se acostumar." Mas, em muitos outros aspectos da vida Hitchens continua firme, preferindo se ver como uma pessoa vivendo com câncer e não morrendo da doença.

Para Hitchens, escrever parece ser algo tão natural quanto falar - e ele associa as duas coisas. "Se você consegue falar, consegue escrever. Você precisa ter cuidado para que seu discurso seja o mais imaculado possível. É o que mais temo. Tenho horror de perder minha voz. Escrever é algo que faço para viver, é o meu sustento. Mas é também a minha vida. Não conseguiria viver sem isso."

Seu mais recente livro, publicado no mês passado, é Arguably, enorme coletânea de ensaios. A gama de assuntos é tipicamente hitchensiana. Há textos - quase que miniaturas de panfletos - sobre temas políticos e especialmente sobre o perigo que o terrorismo islâmico e o totalitarismo representam para o Ocidente; panegíricos ao sexo oral; discursos prolixos sobre os indóceis sommeliers. Na introdução, escreve: "Alguns destes artigos foram escritos com a plena consciência de que podem ser realmente os últimos." No seu quarto de hospital, ele sugeriu que a consciência da mortalidade é útil para um escritor, mas deve permanecer latente. "Tento não pensar nisso, salvo uma ou outra vez. Se precisar escolher entre dois assuntos, por exemplo, não vou optar pelo que me aborrece."

O que Hitchens mais lamenta no momento foi que, como tinha que cumprir com seus muitos prazos para entrega de artigos para a imprensa, não teve energia para trabalhar também num livro. Recentemente teve algumas ideias sobre o seu herói, George Orwell. Entre elas, que ele podia ter tido a Síndrome de Asperger - e disse que deveria também inclui-las numa edição revisada do seu livro, lançado em 2002, Why Orwell Matters. Pensou também em escrever um livro sobre a morte. "Poderia chamá-lo de What To Expect When You're Expecting", ele disse rindo.

Mas voltando a falar sério, disse: "Passei algumas noites com a alma sombria, naturalmente, mas ceder à depressão seria uma capitulação, uma derrota." E acrescentou: "Não sei porque fiquei tão doente. Talvez por causa do cigarro, ou talvez seja genético. Meu pai morreu da mesma coisa. Não há sentido em falar de remorso."

No final das contas, refletiu, o ano passado foi muito bom. Ganhou o National Magazine Award, publicou seu livro Arguably, debateu com Tony Blair diante de uma grande plateia e acrescentou dois estados à lista daqueles que já visitou. "Falta somente Dakota do Norte e do Sul e Nebraska, embora talvez não chegue lá, salvo se alguém propuser um tratamento de câncer à base de etanol em Omaha."

Christopher Hitchens conta com uma enorme rede de apoio que inclui sua mulher, Carol Blue, e seus amigos James Fenton e Martin Amis. Martin é conhecido como uma pessoa fria e mordaz, mas quando beijou e abraçou Hitchens, que visitou quando estava a caminho de um festival literário no México, sua afeição pelo amigo era evidente. "O otimismo de Hitch é surpreendente", ele disse mais tarde. "Ele tem um grande amor pela vida, que até invejo, porque acho que sou um pouco deficiente neste aspecto. É curioso dizer, mas ele se comporta quase como um monge tibetano. É como se tivesse tornado religioso". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO



Um comentário:

  1. Assisti a alguns debates do Hitchens pelo You Tube, como por exemplo aquele feito com o pensador cristão Dinesh D'Souza. Li também seu livro Deus Não É Grande; ele é um grande polemizador, um homem corajoso, capaz de enfrentar todo o Talibã Cristão-Americano, como também o Talibá Muçulmano. É mais contundente que Richard Dawkins (Deus, Um Delírio) e está mais perto do francês Michel Onfray (Tratado de Ateologia). No You Tube pode-se ver também um debate-encontro entre ele, Sam Harris (Carta a Uma Nação Cristã), Daniel C. Dennet (Quebrando o Encanto) e o Dawkins. Além dos ateus de língua inglesa existem também os franceses, como Luc Ferry (Aprender a Viver) e o André Comte-Sponville (O Espírito do Ateísmo).
    Com a leitura dessas obras, eu particularmente fui levado a fazer mais uma leitura da Bíblia, o que me reforçou a ideia de Isaac Asimov: "A leitura crítica da Bíblia é o melhor caminho para o ateísmo".
    Assis Utsch (autor de O Garoto Que Queria Ser Deus)

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